PREOCUPANTE E DRAMÁTICO; O BRASIL JOGA COMIDA FORA, E O MUNDO ESTÁ PASSANDO FOME!
22:14Brasília, Brasil e o mundo sem retoques!

A cultura do desperdício faz com que milhões de brasileiros desperdicem diariamente toneladas de alimentos que fariam a felicidade de famílias menos privilegiadas
Por Clóvis Victóriaextraclasse@sinprors.org.br
A comida que chega todos os dias ao prato do pedreiro Charles de Britto, 22 anos, na Sopa do Pobre, bairro Menino Deus, em Porto Alegre, escapou a uma lógica da modernidade.
Charles de Britto, 22 anos, na Sopa do Pobre
Paradoxalmente, a
grande oferta de comida produz uma cegueira traduzida em uma cultura perversa:
o esbanjamento se incrustou na alma das pessoas e provoca uma crise de consequências
sociais perigosas. A cultura do desperdício de alimentos abastece a fome e
fomenta uma desigualdade calórica entre aqueles que desperdiçam e os que têm
dificuldades de fazer mais de duas refeições por dia. Dados da Organização das
Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) indicam uma discrepância
ainda mais crítica.
No mundo, 30% da população (cerca de 1,8 bilhão) ainda passa fome ante um desperdício calculado em 40% de alimentos no processo que envolve desde a colheita até depois do almoço quando se juntam os restos de comida para levar ao lixo.
Apenas o que se
desperdiça seria suficiente para resolver o problema da fome no mundo. No
Brasil, não há estudos mais detalhados e atualizados sobre impacto de lixo
alimentar na economia do país, mas a estimativa de alguns estudiosos e agentes
da área é de que a situação seja pior.
Charles frequenta a Sociedade Espírita Ramiro D’Ávila, mas não costuma ocupar assentos no andar de cima. Não é para receber um passe ou algum conforto espiritual que o pedreiro desempregado entra pela porta da casa antiga no número 522 da avenida Getúlio Vargas. Na verdade, ele nem conhece o andar de cima onde são prestados os atendimentos espirituais. Charles é um dos cerca de 150 frequentadores diários de uma entidade, fundada em 1932, pelo militar Gedeon Desessard Leite, inspirado na distribuição de sopa em frente a um hotel em que se hospedara em Lisboa, a capital portuguesa, dez anos antes.
De segunda a sábado, religiosamente, das 10h às 11h30min, a não ser em feriados, cerca de dez funcionários ou frequentadores da Sociedade Espírita dão alívio ao sofrimento do estômago de operários, moradores de rua, pedreiros, estudantes e de quem aparecer atrás do calor de um ou mais generosos pratos de sopa. A entidade sobrevive da doação de empresas ou de pessoas, mas não é raro ficar com a despensa a perigo. A auxiliar de cozinha Eliane Borges, 38 anos, precisa despejar todos os dias, nas panelas, arroz, massa, batata, cenoura, couve e carnes suficientes para produzir cerca de 30 quilos de comida.
Trata-se de uma exceção à regra. A Sopa do Pobre escapou à lógica do desperdício de alimentos que ajuda a produzir um passivo ambiental capaz de entulhar a área destinada aos resíduos domésticos da Capital gaúcha, em Minas do Leão, à rotina de 150 toneladas por dia. É o cálculo que o engenheiro químico Eduardo Fleck, chefe da Equipe de Resíduos Especiais do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), faz a partir de um estudo amostral realizado nos últimos dois anos.
Charles frequenta a Sociedade Espírita Ramiro D’Ávila, mas não costuma ocupar assentos no andar de cima. Não é para receber um passe ou algum conforto espiritual que o pedreiro desempregado entra pela porta da casa antiga no número 522 da avenida Getúlio Vargas. Na verdade, ele nem conhece o andar de cima onde são prestados os atendimentos espirituais. Charles é um dos cerca de 150 frequentadores diários de uma entidade, fundada em 1932, pelo militar Gedeon Desessard Leite, inspirado na distribuição de sopa em frente a um hotel em que se hospedara em Lisboa, a capital portuguesa, dez anos antes.
De segunda a sábado, religiosamente, das 10h às 11h30min, a não ser em feriados, cerca de dez funcionários ou frequentadores da Sociedade Espírita dão alívio ao sofrimento do estômago de operários, moradores de rua, pedreiros, estudantes e de quem aparecer atrás do calor de um ou mais generosos pratos de sopa. A entidade sobrevive da doação de empresas ou de pessoas, mas não é raro ficar com a despensa a perigo. A auxiliar de cozinha Eliane Borges, 38 anos, precisa despejar todos os dias, nas panelas, arroz, massa, batata, cenoura, couve e carnes suficientes para produzir cerca de 30 quilos de comida.
Trata-se de uma exceção à regra. A Sopa do Pobre escapou à lógica do desperdício de alimentos que ajuda a produzir um passivo ambiental capaz de entulhar a área destinada aos resíduos domésticos da Capital gaúcha, em Minas do Leão, à rotina de 150 toneladas por dia. É o cálculo que o engenheiro químico Eduardo Fleck, chefe da Equipe de Resíduos Especiais do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), faz a partir de um estudo amostral realizado nos últimos dois anos.
Charles de Britto, 22 anos, na Sopa do
Pobre
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O estudo não
determinou o quanto de comida se joga fora em Porto Alegre, mas a proporção de
matéria orgânica que cada caminhão de lixo entorna na Estação de Transbordo do
bairro Lomba do Pinheiro. Por amostragem, o estudo demonstrou que, em média,
57% do lixo porto-alegrense é formado por matéria orgânica. Tomando o lixo
total produzido por dia, cerca de 1,4 milhão de toneladas, tem-se uma carga
aproximada de 1 mil toneladas de lixo orgânico. Fleck calcula, a partir do que chama
de “chute calibrado”, que a comida esteja presente nesta fração – formada
também por resíduos de banheiro (papel higiênico) e vegetais (corte de árvores
e de grama) – na proporção de 30%. Seria o mesmo que dizer que, de todo o lixo
produzido, 15%, para ficarmos numa estimativa otimista, são restos de comida.
É demais. O engenheiro do DMLU concorda que os números assustam e são fruto de uma cultura que não valoriza o reaproveitamento. Cada um dos 1.409.939 porto-alegrenses, segundo o Censo Demográfico de 2010, produz um pouco menos de um quilo de lixo por dia.
É demais. O engenheiro do DMLU concorda que os números assustam e são fruto de uma cultura que não valoriza o reaproveitamento. Cada um dos 1.409.939 porto-alegrenses, segundo o Censo Demográfico de 2010, produz um pouco menos de um quilo de lixo por dia.
Cerca de 106
gramas disso tudo é comida. Parece pouco, mas pense em um mês e um ano. Pense
em dez anos.
Todo mês um morador da Capital manda 3,2
quilos de comida para o lixo ou 38,2 quilos por ano. “Isso desobedece ao
primeiro princípio da reciclagem que é o da não geração ou redução”, diz Fleck.
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Desde 1992, o Projeto de Reaproveitamento de Resíduos Orgânicos via suinocultura, vinculado ao DMLU, busca reconverter parte da biomassa (energia acumulada do sol na comida) desperdiçada em ração animal. Em dez anos, a coleta diária em alguns restaurantes de Porto Alegre e o transporte até a Zona Sul para alimentar porcos passou de 7,5 para 10 toneladas diárias. Em abril deste ano, o projeto registra o cadastro de 75 estabelecimentos públicos ou privados que produzem grandes quantidades de refeições. Não fosse essa iniciativa, outras 3.650 toneladas seriam acrescentadas aos lixões por ano. Convertida em ração animal, essa comida é levada até a Zona Sul e alimenta 1,3 mil suínos.
O preço a pagar pela reciclagem do alimento não é baixo. Gasta-se muito combustível para coletar os resíduos alimentares e levá-los até os criadores. O mesmo pode-se dizer do que vai para a Estação de Transbordo de Porto Alegre, na Lomba do Pinheiro. Sem lugar para destinar lixo, o jeito encontrado é mandar os rejeitos para uma área privada em Minas do Leão, cidade distante cerca de 100 quilômetros. Resultado: há custo de transporte e armazenagem. São inúmeras viagens diárias, teoricamente suficientes para transportar todos os 1,4 milhão de toneladas produzidas, e que lançam gases de efeito estufa na atmosfera.
O fato é que
não levamos em consideração todo o custo ambiental envolvido na produção de
comida. Gasta-se muito para transportar alimento de um lugar para outro e para
colher. Se tomássemos o preço de R$ 3 do quilo do feijão como referência,
teríamos que, a cada ano, um único habitante estaria fazendo o mesmo que jogar
no lixo R$ 114,48. No caso do arroz e da costela, os valores desperdiçados em
dinheiro em um ano seriam, aproximadamente, R$ 76,00 e 568,00, respectivamente.
Daria para fazer 1,4 milhão de churrascos todo o ano (ver tabela).
O mais duro é saber que uma
entidade que distribui comida de graça, como a Sopa do Pobre, depende de
doações que muitas vezes demoram a chegar. Precisa contar com a generosidade e
compensar a cegueira para um problema sério. Os 150 mil quilos de comida que
viram entulho nos lixões em apenas um dia seriam suficientes para garantir a
refeição de 150 pessoas na Sopa dos Pobres por quase 14 anos.
Atrás da generosidade alheia
Ailson Rodrigues, aos 40 anos, já reuniu uma série de aventuras que inclui morar na rua desde 2003. Guardador de carros na rua da República, em Porto Alegre, seu talento para contar a própria história e a observação apurada do comportamento humano ajudaram- lhe a mapear a solidariedade dos restaurantes. Na sua própria avaliação, falta vontade e organização do setor de transformação de alimentos para reconverter em calorias ou reduzir o impacto da sobra nos pratos dos clientes.
Atrás da generosidade alheia
Ailson Rodrigues, aos 40 anos, já reuniu uma série de aventuras que inclui morar na rua desde 2003. Guardador de carros na rua da República, em Porto Alegre, seu talento para contar a própria história e a observação apurada do comportamento humano ajudaram- lhe a mapear a solidariedade dos restaurantes. Na sua própria avaliação, falta vontade e organização do setor de transformação de alimentos para reconverter em calorias ou reduzir o impacto da sobra nos pratos dos clientes.
Ailson, pai de
três filhos, um deles estudante de Engenharia em Florianópolis, onde ele viveu,
já correu praticamente quase todo o litoral brasileiro. Aprendeu na juventude o
ofício de laminador de pranchas de surfe, o que lhe valeu ingresso para viajar
de Porto Alegre ao Maranhão por praticamente todas as praias. É frequentador
assíduo da Sopa do Pobre, mas desenvolveu uma rede informal de doadores de
comida em restaurantes, assim como algumas estratégias.
Nunca insiste
nos pedidos e jamais aparece todos os dias no mesmo lugar para filar uma boia.
“Vai muita comida fora. Demais. E a maioria dos restaurantes realmente não dá.
Alguns, poucos, fazem uma espécie de horário para buscar comida. E tem que
levar um recipiente”, conta.
O guardador de
carros diz conhecer dois restaurantes que costumam fazer doações diárias após
as 15h, horário- chave para buscar comida, quando já não há mais clientes. Um
deles fica nas proximidades do Centro e o outro, na Zona Norte, e conta um caso
de sensibilidade. Num xis da Zona Leste, um homem que trabalha no caixa costuma
arrecadar restos nas mesas e repassá-los a quem chega para pedir em kits
gentilmente colocados em bolsas plásticas. Resolve dois problemas: a refeição
de um contingente considerável de habitués e afasta a presença do pedinte em
horário de almoço.
A nutricionista
Signorá Peres Konrad, professora do curso de Nutrição da Unisinos, montou para
esta reportagem uma dieta com base nas calorias necessárias a uma alimentação
saudável. Segundo ela, a cultura da abundância legou-nos uma discrepância de
ingesta. Há aqueles que dispõem de uma dieta insuficiente, abaixo de 2 mil
quilocalorias e aqueles que comem em excesso, bem acima. Por exemplo, seguindo
as recomendações do Guia Alimentar Brasileiro, Signorá informa que a
necessidade de carne por pessoa, desde que observadas a variabilidade e a
ingesta adequada de 50 nutrientes necessários para a manutenção do organismo
humano, seria de 85 gramas para uma pessoa entre 20 e 60 anos.
Convertendo em
gramas, a dieta de 2 mil calorias exigiria que cada pessoa (adulto) comesse
cerca de 1,7 quilo de comida por dia, distribuídas em seis refeições de pouco
mais de 300 gramas cada. Os dois pratos de sopa e o pão francês de 50 gramas
que Ailson costuma comer na Sopa do Pobre garantem-lhe uma dieta de 400 gramas,
aproximadamente 500 quilocalorias, 25% da dieta adequada. As outras 1,5 mil
calorias dependem da boa vontade dos outros.
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