OS IMPÉRIOS DE COMUNICAÇÃO EM LUTA CONTRA AS CONQUISTAS DA JOVEM DEMOCRACIA BRASILEIRA
16:00Brasília, Brasil e o mundo sem retoques!
Publicamos aqui um artigo originalmente publicado no jornal Correio do Brasil, e de autoria da economista, jornalista e correspondente deste jornal em Paris, e que de forma precisa tenta expor e buscar esclarecimentos para essa situação de embate, já de muitos anos na jovem e ainda em construção, democracia brasileira.
“O Grupo Abril e o Grupo Globo se sentem intocáveis e assumem
sem complexo o controle absoluto de quase todos os veículos de comunicação”
A evolução da imprensa escrita, como vetor de informação para
o grande público, será muito lenta, ela vai surgir num ambiente de censura e de
controle de informação. Esta incrível fabrica de informação terá como marca
registrada a liberação da palavra pública, por esta razão, ela será sempre
associada aos principio democráticos.

A democracia surge para colocar o cidadão no centro do sistema político.
Nesse sentido, a imprensa joga um papel fundamental na difusão das correntes de pensamentos e opinião, contribuindo, assim, para a livre confrontação de idéias. O aumento geral do nível de conhecimento nas democracias modernas foi vetor da promoção do pensamento crítico. O pluralismo contribui também para suscitar interrogações e ceticismo.
O avanço das tecnologias tem acrescentar na diversificação
dos meios de comunicação. Tanto a imprensa escrita como a evolução
de outros meios de comunicação representam a grande utopia de
que podemos ser livre para pensar e opinar sobre a realidade. Ao dispor
também do pluralismo, os indivíduos passam a usufruir de uma real liberdade na
escolha dos meios de comunicação.
A centralização da mídia leva à cartelização do conteúdo
No Brasil ainda estamos longe desta realidade. A história da
imprensa se confunde com a história das oligarquias regionais, que apenas foram
se modernizando. Todavia, pensava-se que com o avanço da democracia brasileira
e a chegada de governantes progressistas, os meios de comunicação seriam
democratizados e regulamentados, no sentido de garantir sua pluralidade.
Logicamente, para os que açambarcaram os veículos e o mercado
dos meios de comunicação a tentativa de regulamentação é associada como uma
ameaça à liberdade de expressão. Em nenhuma ocasião, eles vão pensar no
interesse público e coletivo, do qual usufruir do pluralismo é também uma
conquista da democracia. O que é normal num país que viveu mais de duas décadas
sob a ditadura. É normal que até hoje muitos brasileiros lutem pela
democratização dos meios de comunicação.
Como aceitar que a democracia brasileira se consolide e que
continue a conviver com uma espécie de coronelismo mediático, que usa e abusa
do poder de concentração? Esta é uma questão que poderíamos fazer aos
dirigentes e políticos brasileiros.
Entretanto, na Constituição Brasileira de 1988, ela define no
capitulo § 5 que “os meios de comunicação social não podem, direta ou
indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Todavia, basta
consultar os estudos realizados recentemente sobre este assunto para verificar
que a própria constituição é por vezes usurpada.

A mídia conservadora é muito unida
A concentração dos meios de comunicação os colocam nas mãos
de poucos. O Grupo Abril e o Grupo Globo se sentem
intocáveis e assumem sem complexo o controle absoluto de quase todos os
veículos de comunicação. Abril controla 74 veículos, entre revistas, o canal
MTV, internet e a TVA, a cabo, em parceria estratégica com a Telefônica. OGrupo
Globo lidera o Sistema Central de Mídia Nacional e, desde 1965, mantém
seus associados regionais, são 35 grupos ligados à rede. No total eles
controlam 340 veículos de comunicação.
O poder mediático de que a Globo dispõe é
enorme, graças às 3.305 redes de transmissão de TV (RTVs). O grupo Globo mantém
parceria em todos os Estados brasileiros o que permite um enorme controle do
conteúdo das informações. Além da televisão, são 33 jornais, 52 rádios (AM) 76
(FM), 27 revistas, 105 emissoras de TV, 17 canais e nove operadoras. Além
disso, a Rede Brasil Sul de Comunicação, é afiliada da
Globo, é a terceira maior organização de mídia privada do país, com 57
veículos, entre jornais, rádios (21 emissoras), TV (18 emissoras) e 259
retransmissoras.(1)
Estes mesmos grupos compactuaram com a ditadura e
aproveitaram do apoio de seus governos para instalar o império do Quarto Poder.
Estes grupos do Quarto Poder, até hoje, têm dificuldades de aceitar a conquista
da cidadania política brasileira. Muitos dos cidadãos e cidadãs brasileiros
conseguiram entender alguns processos de manipulações da opinião publica, hoje
estão emancipados das estratégias de comunicação posta em pratica pelos dois
grandes grupos e seus aliados.
A grande mídia brasileira na realidade se diz autônoma,
imparcial com relação os poderes. Muitos jornais fazem uso de uma prática
deliberada de induzir os leitores, ocultar e fragmentar os fatos, de maneira a
desfazer e recriar o mundo à sua maneira, criam os famosos “buzzs” com o
objetivo de criar um ruído entre os leitores para deformar a realidade ou
oculta-la.
A prova do avanço da cidadania política no Brasil é que a
grande mídia foi derrotada por três vezes consecutivas, apesar de dispor de um
vasto domínio mediático espalhado em todos os rincões do Brasil. O padrão Globo pensava
ser imbatível. Assim como a revista Veja da Rede Abril,
seus jornais e afiliados funcionam como verdadeiros aparelhos de propaganda
contra os governos legitimamente eleitos.
Além da concentração do poder midiático, existem certas
aberrações não dignas da República brasileira. Alguns deputados, senadores,
governadores, prefeitos, vereadores detêm participação, ou são proprietários de
meios de comunicação, ferindo os princípios republicanos. Até hoje, pouco se
faz para impedir que estes políticos sejam enquadrados na Lei por violação
constitucional.
Como garantir a pluralidade dentro deste contexto?

Numa
República democrática, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário não são
infalíveis, daí o exercício da cidadania política nos dar o direito do controle
social. Os jornalistas são, acima de tudo cidadãos. Ao atuar profissionalmente
nos meios de comunicação, eles exercem um papel importante na vigilância contra
as derivas e abuso de poder. Não devemos nos esquecer que cada cidadão tem sua
parte de responsabilidade em certos desvios republicanos.
Na jovem democracia brasileira, os jornalistas deveriam estar
atentos sobre qualquer forma de violação de direitos e abusos de poder. Eles
deveriam ser os primeiros a defender a pluralidade. Certamente, estariam dando
uma excelente contribuição na consolidação da democracia no Brasil. Além disso,
teriam um leque maior de opções profissionais e poderiam exigir melhores
salários e melhores condições para exercer, de modo independente, um verdadeiro
jornalismo. Aquele jornalismo imparcial que provoca o verdadeiro debate, que
analisa, contextualiza e coloca a nu certas contradições, cujo conteúdo leva o
leitor a refletir sobre sua realidade.
Infelizmente, nesses últimos anos, o debate político no
Brasil perdeu o brilho da racionalidade que exige a boa análise. As cenas de
desrespeito republicano passaram a ser marcantes. As duas últimas campanhas
presidenciais disputadas pelo presidente Lula foram de grande violência verbal,
nunca se viu tanto racismo, tanta discriminação, tanto ódio na boca e nos
escritos de certos políticos e jornalistas. Este tipo de politicagem é perverso
para a democracia e nada acrescenta à educação do povo brasileiro. A grande
Nação Brasileira merece que o jornalismo seja praticado dentro do rigor
intelectual necessário.
O comportamento dos donos dos meios de comunicação nas
últimas décadas de democratização, deixa muito a desejar. Chega a dar impressão
de querer forjar uma democracia de opinião capaz de influenciar no processo
eleitoral. Essa grande mídia esquece que o exercício do poder supremo é
originado da vontade popular. É interessante observar o modo como ela
agiu, durante as campanhas presidenciais de Lula e de Dilma. A posição do
presidente da Associação Nacional dos jornais (ANJ) foi esclarecedora ao
admitir, publicamente em março de 2010 que, tendo em vista a fragilidade dos
partidos de oposição, a imprensa estava fazendo, de fato, a oposição ao
governo.
A sociedade civil organizada começa, ainda que timidamente, a
protestar contra o cartel dos meios de comunicação.
Este papel de oposição era notório. Todavia, a partir desta
declaração, a ANJ oficializou os governos de Lula e Dilma como adversários. Com
este tipo de comportamento, a grande mídia sai fragilizada, pois não é o papel
da imprensa de liderar as massas, exceto se ela quer ser governo e eliminar os
partidos políticos.
Nem tampouco é papel do governo entrar no jogo da provocação,
afinal, ele deve garantir a livre expressão de todos. O interesse público, no
entanto, assim como as boas regras do comportamento republicano, deve
predominar dos dois lados. O governo não deve ceder à pressão dos donos da
mídia e, urgentemente, organizar o funcionamento do espaço nacional de
Comunicação Social para obter um melhor equilíbrio, a fim de garantir a
pluralidade que determina a Constituição brasileira.
Este espaço deve ser mais representativo de diversos grupos
sociais. Talvez esta seja uma das últimas conquistas para consolidar a jovem
democracia brasileira.
Somente a democratização dos meios de comunicação permite a
livre confrontação de idéias.
Marilza
de Melo Foucher é economista, jornalista e correspondente do Correio
do Brasil em Paris.
1 - Ver site Donos da Mídia e Tese
de James Görgen – Sistema Central de Mídia- UFRGS – 2009)
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