A GRANDE MENTIRA DO SETOR NOROESTE: O QUE ERA , O QUE É, E O QUE SERÁ DO SETOR HABITACIONAL MAIS DISCUTIDO DO DF
19:20Brasília, Brasil e o mundo sem retoques!
ERA UMA VEZ
O CERRADO: MENTIRAS E ENGANAÇÕES DO GDF SOBRE O SETOR NOROESTE.

Parece irreal? E é mesmo.
Texto Paula Oliveira
paulaoliveira@meiaum.com.br
O Setor Habitacional Noroeste foi vendido à sociedade como o primeiro bairro ecológico do Brasil. Os catálogos e os vídeos divulgados pelo governo, mais precisamente pela Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), e pelas construtoras propõem cenário arborizado, com espaço para pedestres e ciclistas circularem à vontade – e vista para o Parque Burle Marx. “Um privilégio para poucos”, dizia um panfleto da Terracap. Prometeu-se uma região sustentável e em harmonia com o meio ambiente. A coleta de lixo seletiva e a vácuo tiraria das ruas os incômodos caminhões. A rede elétrica subterrânea evitaria a poluição visual. O Cerrado seria preservado e integrado às construções.
A Terracap lançou até mesmo o Manual Verde do Noroeste,
em 2009, ano da licitação do primeiro lote de terrenos, com
exigências para as construtoras. Janelas grandes, para potencializar
o uso da luz natural, sistema de aquecimento dos chuveiros por energia
solar e complementado por gás natural. Cada prédio deve dispor de
sistema próprio de coleta de água da chuva para irrigar os jardins.
Em abril, cerca de 40 apartamentos estavam ocupados,
três prédios prontos para morar e quatro em fase de acabamento. Três
edifícios comerciais também estavam em obras. Na primeira etapa do
Noroeste, prevista para ficar pronta em 2014, estão sendo
erguidos prédios de cinco quadras – da 107 até a 111. Em todo o
setor, serão 20 quadras.
A veterinária Larissa Vasconcelos Pereira é proprietária
de um apartamento de três quartos no Noroeste. “Só gostaria de
me mudar com a minha família quando houver condição mínima para a
gente morar lá, mas também não vale a pena ficar pagando
aluguel enquanto tenho um apartamento meu e novo para viver”,
pondera. A grande chateação é por se sentir enganada e abandonada.
“Paguei caro pelo imóvel, vou pagar caro também para morar em um
bairro tão moderno e quero, no mínimo, ter retorno à altura.” Apesar da
revolta, está ansiosa para se mudar. “O fato de ser um sonho ter um
apartamento tão bom ofusca esses problemas.”
O advogado Antônio Custódio Neto mudou-se da Asa Sul
para o Noroeste em janeiro e está frustrado. Comprou o imóvel atraído pela
proximidade com o Plano Piloto e pela proposta de ser ecológico. “O
Noroeste nasceu com o selo ecológico, mas terminou com o estigma de um
bairro poluidor”, lamenta. Diz que quase nada do que viu nos anúncios
é realidade. Mesmo sem calçadas, ciclovias, transporte
público, escolas, o tempo para o pagamento do Imposto Predial e
Territorial Urbano (IPTU) já está correndo. Os proprietários pagam
ainda a Taxa de Iluminação Pública, apesar de não receberem o serviço.
Os moradores dos primeiros apartamentos entregues
queriam viver em uma cidade-parque, mas por enquanto estão em um canteiro
de obras. É natural que haja alguns transtornos em um setor ainda em fase
de construção. Porém, a ordem dos fatores, aqui, altera muito o
resultado. A Terracap deveria ter providenciado a
infraestrutura básica para depois as construtoras entregarem os
prédios, como prometido. O compromisso era ter toda a
infraestrutura pronta quando o primeiro morador estivesse instalado,
declarou o então governador José Roberto Arruda, em setembro de
2009. “As obras começam hoje e não param mais. Aqui não teremos os
mesmos problemas verificados no Sudoeste e em Águas Claras.” Só uma
das mentiras que compõem a história do setor habitacional que serviria
de “modelo para o País”.
250 hectares
de área rica em lençóis freáticos e em fauna e
flora virarão 20 quadras nada sustentáveis.
de área rica em lençóis freáticos e em fauna e
flora virarão 20 quadras nada sustentáveis.
Nobre para uns, valiosa para outros.
O Noroeste está em uma área de 250 hectares que antes abrigava
um grande pedaço de Cerrado intacto. Lucio Costa, urbanista que
desenhou o Plano Piloto, abriu a possibilidade, no
documento Brasília Revisitada (1987), de se construir na área
um conjunto habitacional para a classe média, perto da Asa Norte,
desde que não interferisse no desenho da cruz.
Ali era uma zona de amortecimento do Parque
Nacional de Brasília, pertencente à Área de Preservação
do Planalto Central. A zona de amortecimento é o entorno de uma
unidade de conservação. As atividades humanas ficam sujeitas a
restrições para minimizar os impactos sobre a unidade. O novo
setor fica entre o Parque Burle Marx e a Área de
Relevante Interesse Ecológico Cruls. A Arie Cruls, com 55
hectares entre a Epia e o Noroeste, foi criada para atender a uma das
exigências do Termo de Ajustamento de Conduta 6, de 2008, firmado
entre o governo do DF, a Terracap e o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Era
condição deste último para liberar a licença de instalação do setor
habitacional.
O terreno servia como amortecedor das águas
pluviais que naturalmente desembocariam no Lago Paranoá. As
obras provocaram o assoreamento do lago e o afugentamento de
animais. A instalação do setor habitacional deve,
futuramente, sobrecarregar as galerias de águas pluviais e o trânsito
na Asa Norte e ajudar na degradação da vegetação que restar.
Começou-se a falar no Noroeste ainda na década
de 1980, durante o governo de José Aparecido. Dois projetos para
o setor chegaram a ser apresentados quando Cristovam Buarque
governava o DF (1994 a 1998). O primeiro não passou pelo
crivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), e o segundo teve resistência de órgãos
ambientais, que queriam a redução do número de habitantes. Previa
80 mil moradores.
Com a venda das terras. O setor imobiliário poderia
jogar os preços lá em cima, por ser a última área própria
para habitação próxima ao Plano Piloto. Em 1999, a
própria Associação de Empreendedores do Mercado Imobiliário (Ademi)
contratou o arquiteto Paulo Zimbres, o mesmo que havia
projetado Águas Claras, para redesenhar a proposta para a
exploração da região. Doou o projeto à Terracap pelas mãos
de Paulo Octávio, dono da construtora que leva seu nome e agora
ex-vice-governador do DF. A gentileza foi aceita pelo então
governador Joaquim Roriz, mas não era sua prioridade, tanto que só
lançou o projeto da “ecovila”em 2005. Era prioridade, no
entanto, para José Roberto Arruda, então secretário de Obras.
Em 2006, Arruda foi eleito governador e Paulo Octávio,
o seu vice, e o novo bairro sairia do papel de qualquer
jeito. Era promessa de campanha. O projeto foi adaptado
para reduzir a quantidade de habitantes – de 80 mil para 40 mil.
Posteriormente, foram acrescentadas novas questões ecológicas, como o
aumento do Parque Burle Marx de 250 para 280 hectares.
Para justificar a exploração de uma área que
ainda mantinha o Cerrado intocado, Arruda prometeu tudo o que
podia e o que não podia. Funcionou. Na prática, porém, o Noroeste, já
habitado, está longe, muito longe de ser verde, ecológico,
sustentável ou seja lá qual for a expressão mais apropriada. “O
plano era garantir tudo isso antes de abrir para os
moradores. Pena que não foi feito conforme previsto”, afirma
Cassio Taniguchi, que era secretário de Desenvolvimento Urbano e
Meio Ambiente no governo Arruda. Ficou com ele a missão de convencer
a sociedade de que tudo daria certo. No fim de 2009, ele deixou o
cargo por causa do escândalo da operação da Polícia
Federal Caixa de Pandora, que posteriormente abreviou a
gestão de Arruda. Quando este deixou o DEM, Taniguchi,
eleito deputado federal pelo mesmo partido, voltou à Câmara
dos Deputados. Hoje é secretário de Planejamento e
Coordenação Geral do Paraná.
A destruição do Cerrado em uma área rica em
lençóis freáticos, fauna e flora parecia compensar. Arruda,
Paulo Octávio e companhia sabiam que a venda das
projeções encheria os olhos das construtoras, tão sedentas
por liberação de qualquer área dentro do Plano Piloto ou próxima
a ele. A arrecadação da Terracap com o primeiro lote de vendas – as
projeções das cinco primeiras quadras –, em 2009, foi de R$ 1,7
bilhão. A Terracap informa que cerca de R$ 400 milhões foram
investidos em infraestrutura básica e viabilização do bairro.
R$ 400 milhões
foi o investimento na infraestrutura
básica, ainda muito precária.
foi o investimento na infraestrutura
básica, ainda muito precária.
Índios ainda brigam na Justiça
Além de desmatar uma área de vegetação nativa, a
construção do Noroeste tem outro estigma. Grupos indígenas – fulni-ô
tapuya, tuxá e kariri-xocó – se recusaram a deixar a terra por várias
vezes, sob o argumento de que lá viviam havia mais de 30 anos e de que a
área lhes é sagrada. Nem a Fundação Nacional do Índio nem o governo
local reconheceram o lugar como território indígena, uma vez que as comunidades
vieram de outras partes do Brasil, não eram nativas.
Ainda no primeiro semestre de 2009, o Ministério Público
Federal chegou a recomendar a suspensão da licença para
construção, uma vez que a Terracap não havia cumprido o compromisso
de solucionar a questão fundiária da comunidade indígena –
estabelecido no Termo de Ajustamento de Conduta 6, de 2008. Com o
reforço de apoiadores, na maioria estudantes, os índios entraram
em conflito com trabalhadores das construtoras em 2011, quando
começaram as obras na área do chamado Santuário dos Pajés, já no
governo de Agnelo Queiroz. As construtoras só conseguiram tocar as
obras após decisão judicial.
O MPF, por meio de ação civil pública, recomendou, no
segundo semestre de 2011, que a área a ser reservada até decisão judicial
para os grupos indígenas fosse de 50 hectares – as quadras 307, 507,
707, 108, 308 e 508, além das comerciais 8 e 9.O Tribunal Regional Federal
da 1ª Região estipulou que o terreno preservado temporariamente fosse
de 4,1 hectares – parte da quadra 108. Nessa área, as
construtoras estão proibidas de vender, construir e desmatar. O processo
está em andamento na 2ª Vara da Seção Judiciária do DF.
Os integrantes da tribo kariri-xocó fizeram acordo com o
governo local para serem transferidos para os 12 hectares que lhes foram
reservados no Parque Burle Marx para moradia – de acordo com o termo
de 2008 –, mas isso ainda não ocorreu por embargos jurídicos. Eles
lutam por moradia. Já os outros querem a preservação da área de 50
hectares por questões religiosas. Segundo o TRF, há outra ação em
andamento: o Conselho Indigenista Missionário quer anular a licença ambiental
para a construção do bairro.
Os grupos querem manter intacto apenas o Santuário dos
Pajés. “São áreas insubstituíveis e o que a Constituição Federal manda,
no caso de ser terra indígena, é que se retire tudo o que foi
construído”, diz Ariel Foina, advogado do grupo fulni-ô tapuya. Na quadra
108, há prédios em construção e isso aproxima muito os índios das
obras. “É complicado porque estão a 10 metros dos canteiros”, diz Foina.
Da propaganda à realidade
O governo de Joaquim Roriz foi bastante
criticado por ambientalistas por ter anunciado o Noroeste
como ecovila. “Realmente não era bem isso. Na verdade, o
bairro é sustentável”, classifica Albatênio Granja, gerente de
Projeto do Noroeste da Terracap. Entende-se por sustentabilidade o
equilíbrio entre o avanço econômico, o atendimento às
necessidades da população e a preservação do meio ambiente. Para
os mais radicais, é preciso ainda reaproveitar o lixo, cultivar
o próprio alimento e trabalhar em comunidade.
O Noroeste não será autossuficiente em nada.
Não há, por exemplo, previsão de hortas comunitárias nem
do envolvimento dos moradores em ações sustentáveis,
como compostagem do lixo orgânico. “Há vários níveis de
mensuração da sustentabilidade e estamos trabalhando com o mais
baixo”, justifica Granja.
O modelo de sustentabilidade eleito pela Terracap é
o Leadership in Energy and Environmental Design (Leed), certificação
concedida por uma organização norte-americana. Para consegui-la, o
Noroeste precisaria atender a algumas exigências. A primeira,
registrada no Manual Verde do Noroeste, é de que o projeto seja
elaborado para uma comunidade já desenvolvida e com
transporte público. No Noroeste, não há nem um nem outro. É
necessário haver coleta seletiva de lixo. Também não tem. Os prédios
precisam estar equipados com mecanismos que ajudem os
moradores a economizar água e luz. Isso existe. A distribuição
de energia elétrica, no entanto, é improvisada – instalada
para abastecer as construções, quebra o galho dos prédios
já prontos. O uso do automóvel deve ser desestimulado. Em prédios
que têm, no mínimo, duas vagas na garagem para cada apartamento, fica
complicado. Além das garagens subterrâneas, cada edifício tem
estacionamento amplo.
Existem outras certificações para construções
verdes. Consideram a quantidade de gás carbônico que os
materiais utilizados nas obras produziram ao serem
fabricados. São avaliados, ainda, o impacto social e econômico
do empreendimento na região. “O Leed é muito bom e
muito moderno, mas leva em conta só a questão verde, o social
e o econômico ficam de fora”, diz Sibylle Muller,
engenheira civil e empresária da área de certificação da
construção civil em São Paulo.
Sibylle afirma que, para ter qualquer certificado verde
na construção civil no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, a
comunidade precisa participar e o poder público precisa providenciar
a infraestrutura. “É um contrassenso ecológico, por exemplo,
retirar a mata nativa para colocar outra no lugar. Ou
prometer sistema pneumático de coleta de lixo sem aterro
sanitário”, analisa. Para ela, esse sistema é luxo desnecessário,
visto que, se houver cultura de seleção de lixo entre os
moradores e destinação por parte do órgão público responsável, o
processo é bastante eficaz.
A coleta de lixo pelo sistema pneumático,
subterrâneo e a vácuo funcionaria assim: em cada prédio, seriam
instaladas três entradas para os dutos de sucção – um para lixo
seco, outro para orgânico e o terceiro para material não
identificado. Os sacos de lixo seriam sugados tão velozmente para
essa tubulação que não ficaria nem mesmo o cheiro. Todo o material
desembocaria em contêineres nas duas estações previstas para o
bairro e de lá seguiria para o aterro sanitário – projeto que se
arrasta por mais de uma década e que otimistas achavam que
estaria pronto antes da instalação do novo setor. Essa é uma
realidade na Europa e o assunto é discutido em Brasília desde
o lançamento do bairro, há oito anos. “Foi um delírio,
um modismo, e não daria certo adotar esse sistema aqui
em Brasília. E outra, não excluiria a necessidade de caminhões circulando
pelo bairro”, diz Francisco Palhares, que era superintendente do
Ibama no DF na época da concessão da licença, em 2007, e hoje
é assistente da direção-geral do Serviço de Limpeza
Urbana (SLU). Ele confirma que hoje Brasília não tem estrutura para
abrigar um sistema como esse.
Primeiro, o governo errou na modalidade jurídica para
a adoção do sistema. Pensava-se em parceria público-privada e
chegou-se à conclusão de que o ideal é concessão pública. Decidida
essa questão, o governo começou a elaborar o edital para
selecionar a empresa que ficará responsável pela instalação da
estrutura e da coleta. Segundo, os prédios estão tão perto das ruas
que isso inviabilizou o planejamento inicial do espaço que os dutos
ocupariam. Um novo projeto precisou ser feito. E, em terceiro lugar,
o sistema não faz sentido se o DF não tem aterro sanitário. “Mas
vai ter”, diz o gerente de Projeto do Noroeste na Terracap, Albatênio
Granja. Em janeiro, o Tribunal de Contas do DF suspendeu a
licitação do SLU para implementação do aterro sanitário
em Samambaia. O SLU prestou esclarecimentos e aguarda a votação
em plenário.
O sistema pneumático seria a tecnologia mais
exclusiva do Noroeste. Ainda não existe no Brasil. “O
Noroeste não tem nada de novo. O que venderam como grande avanço
nas construções são tecnologias que existem há 20 anos”, critica a
doutora em geologia e especialista em urbanismo e meio ambiente
da UnB Mônica Veríssimo.
Desmatar para preservar
Ainda em 2007, o Ibama emitiu parecer para alterar a
licença ambiental para a construção dos prédios e da infraestrutura
do Noroeste. Estabeleceu 43 condições para o início das obras,
como implementar o Parque Burle Marx – que deixa de ser
parque ecológico para se tornar de uso múltiplo – concomitantemente com
o parcelamento urbano e garantir que fossem desmatadas apenas as
áreas das projeções. A responsabilidade foi posteriormente passada ao
Instituto Brasília Ambiental. O parque, programado para
ter pistas de ciclismo, de corrida e áreas de convivência, ainda não
saiu do papel. Foram feitas duas lagoas para escoamento de água.
Não é difícil perceber que o desmatamento para a
construção do bairro verde não é diferente do que é feito
para erguer qualquer outra coisa. As últimas quadras, as
primeiras que estão sendo construídas, já estão com cara
de quase bairro. Entre um prédio e outro, grama dos jardins de
cada condomínio, calçadas e estacionamento. Tudo isso extrapola a
área da projeção, que seria a única desmatada. “Se queriam
preservar, tinham de deixar a vegetação natural, e não fazer
paisagismo”, critica Mônica.
Para ela, não faz sentido a captação de água de
chuva para irrigar a vegetação. Se fosse para a descarga dos
vasos sanitários, por exemplo, valeria. “Além da gastança
de água e energia com piscinas e saunas, querem irrigar
o Cerrado, que sobrevive bem ao clima de Brasília?” Aqui há
outra contradição. O paisagismo dos prédios deveria ser feito com
espécies nativas. Os jardins, no entanto, estão gramados. Uma ou
outra muda de planta nativa está sendo usada.
“O Cerrado cresce muito lentamente. Foi falta de
inteligência e de vontade das construtoras retirarem toda a
vegetação. Cabia ao engenheiro, por exemplo, dizer ao tratorista
assim: não derrube esta e aquela árvore”, raciocina Nicolas Behr,
poeta, ambientalista e dono de um viveiro especializado
em espécies do Cerrado. “O poder público tem de fiscalizar se o
desmatamento está sendo feito corretamente e cabe ao morador cobrar
por isso também.” A cada 15 dias, os síndicos dos prédios das primeiras quadras
do Noroeste têm reuniões com a equipe da Terracap. “Cobramos tudo
o que prometeram e tentamos entender, na base da conversa e da
compreensão, mas estamos sendo lesados como consumidores”, diz
Antônio Custódio Neto.
Logo que as obras começaram, em 2011, ficou
constatado pela Caesb que o Lago Paranoá já começava a
sofrer com os efeitos do Noroeste. O escoamento das águas
pluviais da região foi direto para o lago e em menos de um
ano foi detectado o seu assoreamento. A Terracap se
defende dizendo que resolveu a questão com a construção dos
dois lagos no Parque Burle Marx para conter as águas. O solo do
Noroeste será quase totalmente impermeabilizado. “Na verdade, o
parque será o grande lixão do Noroeste. Os lagos que foram feitos lá
não serão para o lazer da população, mas para abrigar toda a
sujeira que vier do bairro”, conclui Nicolas Behr.
A impermeabilização do solo vai se tornar um
grande problema ambiental conforme as obras avançarem.
As garagens ultrapassam a área da projeção com tutela do
Estado. São duas, três e até quatro vagas por apartamento.
O subsolo que não for ocupado por carros será utilizado para a
instalação dos dutos do sistema de coleta de lixo a vácuo, de energia
elétrica, do esgoto.
O segundo plano
O pretexto para a construção do Noroeste é o documento
finalizado em 1987 chamado Brasília Revisitada, assinado por Lucio Costa.
O urbanista estabeleceu novos setores habitacionais para Brasília, que poderiam
ser construídos se necessário: Asa Nova Norte (onde está o Taquari), Asa
Nova Sul (Jardim Botânico), Oeste Sul (Sudoeste) e Oeste Norte (Noroeste). Para
este último, programou dez quadras residenciais e prédios com três
pavimentos. Nada comparado ao que está sendo construído. De três
pavimentos, os prédios passaram para seis. Com a cobertura, sete. Albatênio
Granja, da Terracap, diz que a exploração do sétimo pavimento é permitida
em parte e que está tudo conforme o planejado.
O que Lucio Costa programou como um bairro econômico hoje tem
o metro quadrado avaliado em R$ 9 mil. O que pensou para dez quadras
terminou com 20. A preocupação do urbanista era de que o novo bairro não
chegasse à beira do Eixo Monumental e desfigurasse o formato de cruz do
Plano Piloto. O Sudoeste chegou na calada e está quase lá, mas o
Noroeste, não. Cresceu para o outro lado. O terreno em que estão sendo
construídas as últimas quadras do setor era, originalmente, para a
construção de um cemitério. Mas agora não vai ter mais jeito de atender a essa
especificação do projeto do Plano Piloto. O negócio já está feito.
Outras mentirinhas
Enquanto as construtoras correm para entregar
as chaves, o ritmo do governo é diferente. Não parece haver
pressa em instalar iluminação pública ou rede de
energia própria. De acordo com o projeto aprovado, a fiação deverá
ser totalmente subterrânea.
Não há postes de luz. Há dois anos, o governo do
DF, já sob o comando de Agnelo Queiroz, se encantou pela ideia
de adotar lâmpadas sódio, projeto aprovado pela Agência Nacional de
Energia Elétrica, e decidiu mudar o planejamento de
iluminação do Noroeste, que seria de LED. As duas são
econômicas, mas a de sódio é mais moderna e eficiente. A compra
foi feita por meio de convênio entre a Terracap e a Companhia
Energética de Brasília. Só que as lâmpadas não chegaram e, em
novembro passado, o governo retomou a ideia do LED e reiniciou o
processo de compra.
A promessa é de que a iluminação pública comece
a ser instalada em maio. “Chegamos a pensar em adotar iluminação
provisória, mas, entre oferecer algo precário e não oferecer nada,
optamos por esperar”, explica Granja. Em setembro do ano
passado, ele deu a seguinte declaração ao Correio Braziliense:
“Queremos terminar as obras básicas de infraestrutura antes do
período de chuvas. Em dezembro, só o sistema de drenagem não estará
concluído”.
Enquanto o governo espera, quem tem
apartamento pronto que se vire. “De dia tem muita movimentação
por causa das obras, mas à noite é deserto. Só não ficamos
no breu porque as luzes dos canteiros ficam acesas”, descreve o
pioneiro Antônio Custódio Neto. Não existe transporte público. Também
não há comércio. A sorte é que ambulantes já se instalaram lá
para vender marmita e lanche.
Água e esgoto há, mas o gás natural está longe de
chegar. Por enquanto, o aquecimento de água do chuveiro e
o abastecimento dos fogões são feitos por gás de cozinha, o GLP,
derivado do petróleo. O desempenho é o mesmo do natural e a produção
de gás carbônico também é pequena, mas, por ser mais pesado, é
mais difícil de ser dissipado. “É preciso entender que o bairro é o
nosso grande laboratório e que esse processo de implantações de
inovações tecnológicas demanda tempo. Não se deve esperar
nada de uma hora para outra”, diz Granja. No entanto, todo
esse planejamento tem, no mínimo, oito anos.
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