TAL PAI TAL FILHO- A POLÍTICA COMO HERANÇA PATERNA NO BRASIL
15:47Brasília, Brasil e o mundo sem retoques!
DE PAI PARA
FILHO
Filhos de ex-governadores, senadores e deputados tentam usar
capital político dos pais para entrar no cenário nacional nas eleições de
outubro.
O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) conversa com o deputado
Renan Filho (PMDB-AL) durante votação da Lei Geral da Copa, no Senado
Federal, em Brasília - 09/05/2012 (Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)
Em qualquer carreira, é comum que (bons) profissionais leguem
prestígio a seus herdeiros. Na política, contudo, essa lógica causa
apreensão. Políticos têm a missão de zelar pelo bem público. Quando seus
laços familiares se sobrepõem ao compromisso com o eleitor, a democracia sai
enfraquecida. Mesmo que seja permitido aos caciques transmitir aos filhos seu
capital político, a perpetuação dessas "dinastias" pode debilitar a
saúde do regime democrático.
“A eleição dos filhos acaba sendo um mecanismo de
oligarquização da política com grupos que têm um compartilhamento de interesses
políticos, econômicos e sociais e que pensam igual, agem igual e escondem
muitas vezes o que se convencionou chamar de malfeitos. Isso colide com o
interesse público”, diz o cientista político José Álvaro Moisés, Núcleo de
Pesquisa de Políticas Públicas da USP.
“Em países onde as instituições são muito mais sólidas, o
poder dos políticos e dos filhos dos políticos estão sempre cerceados pelo
poder constitucional. Mas no Brasil, onde 40% do PIB passa pelo Estado e há
27.000 cargos de livre indicação, o poder político é gigantesco e pode
desvirtuar o processo democrático”, avalia o cientista político Luiz Felipe
D’Ávila, diretor-presidente do Centro de Liderança Política (CLP). “A
manutenção de dinastias pode usar a máquina pública como forma de distribuição
de favores”, afirma.
A política de parentesco não é exclusividade do Brasil – as
famílias Kennedy e Bush nos Estados Unidos são bons exemplos – mas a
disputa de outubro deve deixar ainda mais evidente a oligarquização da política
brasileira se confirmar a eleição dos filhos de ex-governadores,
ex-senadores e até de deputados. Entre 2006 e 2010, 228 dos 513 deputados
federais tinham parentes na política, segundo levantamento da ONG Transparência
Brasil, sendo que 53% deles eram herdeiros diretos do pai.
“Essa tendência de formar políticos e quadros através da
tradição familiar é uma reserva de mercado. As famílias caminham em função dos
próprios interesses e se separam de interesses universais dos eleitores”,
completa José Álvaro Moisés. “Não é muito republicano que em um país de 200
milhões de habitantes, com a complexidade que tem o Brasil e com um sistema
democrático recente, famílias se perpetuem no poder e criem relações nem sempre
defensáveis do ponto de vista público e dos interesses da sociedade. É muito
provável que esses políticos tenham como objetivo primeiro os seus valores de
comportamento a defesa de sua família, de seu grupo, de sua facção”, diz.
Neste ano, no momento em que José Sarney, o maior cacique da
política nacional, deixa oficialmente a vida pública, a política de pai para
filho não dá sinal de arrefecimento, atinge os mais diversos rincões do país e
inclui de cargos mais modestos, como os de deputado estadual ou distrital, até
o controle de governos estaduais. Depois de a política ter abrigado filhos de
políticos dos mais diversos espectros ideológicos – Roseana e Zequinha Sarney,
Luciana Genro, Efraim Filho, Rodrigo Maia, Jaqueline Roriz, Felipe Maia, Duarte
Nogueira e Fernando Coelho Filho – concorrem nas eleições deste ano a cargos de
deputado federal, por exemplo, Marco Antônio Cabral (PMDB), filho do
ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral, Pedro Cunha Lima (PSDB), filho
do ex-governador da Paraíba e atual senador Cássio Cunha Lima, e Newton Cardoso
Jr (PMDB), filho do ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso. Em comum,
além de uma discutível experiência política, a defesa de interesses
oligárquicos e a expectativa de receber grande parte dos votos do eleitorado
cativo do patriarca.
“Em oligarquias de outras profissões, como advogados ou
médicos, o herdeiro é julgado por sua competência. Ninguém vai se operar com o
filho de um cirurgião apenas porque o pai era competente. Se o filho de um grande
advogado começa a perder causas não será contratado mais. Na iniciativa privada
existem critérios mais sólidos do que no mundo público para julgar as
dinastias”, afirma D’Ávila.
Na plataforma de campanha do novato Marco Antônio Cabral, por
exemplo, há um misto de defesa do legado de Sergio Cabral – que deixou o
governo com aprovação de apenas 20% dos eleitores – de elogios ao sucessor Luiz
Fernando Pezão (PMDB) e de compromisso como transformar a base militar de Santa
Cruz em um aeroporto comercial e criar unidades de educação tecnológica
(Cefet). São de Marco Antônio Cabral, por exemplo, promessas de apoio a
inclusão de jovens por meio do surfe e de lutas marciais. Com apenas 22 anos, o
estudante Felipe Francischini, candidato a deputado estadual, não desgruda sua
campanha do nome do pai, o deputado candidato à reeleição e delegado licenciado
Fernando Francischini. “Vi meu pai lutar contra a corrupção em Brasília. Agora
é a minha vez de defender o que é certo do jeito que meu pai me ensinou”, diz o
aspirante a parlamentar no site de sua campanha.
Se na Grécia Antiga a assembleia pública conhecida como Ágora
forjava os principais líderes de seu tempo, no Brasil, historicamente, as
famílias políticas são responsáveis por boa parte dos criadouros de candidatos.
Nas eleições deste ano, a exemplo do que já aconteceu no passado, o pedigree
dos filhos de políticos conhecidos é a principal arma para a conquista de
votos.
Filho do ex-ministro e ex-líder governista Romero Jucá,
Rodrigo Jucá compõe a chapa do PSB como candidato a vice-governador de Roraima.
O filho do ex-governador do Pará e atual senador Jader Barbalho, Helder
Barbalho (PMDB), briga pela liderança nas pesquisas pelo governo paraense
contra o atual governador Simão Jatene (PSDB). Depois do avô Laércio Barbalho e
do pai, Jader, Helder é a terceira geração da família na política. Sua
candidatura foi acertada sob as bênçãos do ex-presidente Lula em troca do
lançamento do ex-deputado Paulo Rocha, inocentado no julgamento do mensalão,
para a vaga do Senado. Líder nas pesquisas de intenção de voto, Helder rejeita
pertencer a uma "dinastia" política e minimiza a influência do pai na
campanha de 2014. "O papel de Jader nesta campanha é de pai, que
torce pelo filho, e que cobra, se eu for eleito, que eu não esqueça do meu
compromisso com o povo do meu estado", afirma. "Não há
dinastia. Estou em um novo momento da política, diferente da época do meu
pai. A renovação na política não se dá apenas por tirar o sobrenome de alguém,
e sim pela forma de se fazer política. O mundo mudou, as pessoas mudaram, as
necessidades mudaram. Com isso, o ideal do novo político tem que acompanhar
estas mudanças", diz.
Em Alagoas, o deputado Renan Filho (PMDB), filho do
presidente do Senado Renan Calheiros, que também lidera a corrida pelo governo,
não abre mão da influência do pai e diz ser “natural” seguir os passos do
patriarca. “O senador Renan Calheiros é uma grande liderança política em
Alagoas. O voto livre do povo alagoano tem respondido que é natural seguir a
carreira política do meu pai. Assim como ocorre com médicos, advogados,
jornalistas, atores e outros profissionais, alguns filhos de políticos seguem a
carreira do pai”, afirma.
Na disputa pela preferência do eleitor, quando a associação
do candidato com o pai famoso não é imediata, os filhos aspirantes
aos cargos eletivos tratam logo de incorporar o sobrenome famoso e deixar
claro quem é o padrinho político. Foi o caso, por exemplo, de Maurício Thadeu
de Mello e Silva, que se apresenta nas urnas para deputado estadual como Requião
Filho em associação ao pai senador e ex-governador do Paraná Roberto Requião.
Ou de Irajá Silvestre Filho, candidato à reeleição para deputado federal
que estrategicamente recorre ao sobrenome da mãe, a senadora Katia Abreu,
para se apresentar ao eleitor como Irajá Abreu.
Na formação de futura Câmara Federal, há ainda herdeiros
políticos que vem galgando espaço a cada eleição. O deputado estadual baiano
Cacá Leão (PP), filho do deputado e atual candidato a vice-governador João
Leão, vai disputar o cargo de deputado federal, assim como o deputado estadual
Arthur Bisneto (PSDB), filho do prefeito de Manaus e ex-senador Arthur
Virgílio. Mário Negromonte Filho, por sua vez, tenta um naco dos quase 170.000
votos do pai para se eleger deputado federal. Negromonte pai, ex-ministro das
Cidades, esteve envolvido em um sem-número de escândalos – desde o pagamento de
propina a integrantes de seu partido até a adulteração de projetos bilionários
– mas agora ocupa confortavelmente o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas
dos Municípios da Bahia.
Também vão se aventurar nas urnas o empresário Expedito
Netto, de 25 anos, filho do senador Expedito Junior, cassado por compra de
votos em Rondônia, o empresário tocantinense João Ribeiro Jr, filho do
ex-senador João Ribeiro, parlamentar réu por trabalho escravo e morto no ano
passado, e a administradora de empresas Lívia Fidelix, filha do eterno
candidato do Aerotrem Levy Fidelix.
Laryssa Borges, Veja, de Brasília
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