MACONHA: O GOSTO AMARGO DO REMÉDIO.
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O GOSTO
AMARGO DA MACONHA
Se crianças e adolescentes (aliás, qual o limite cronológico da
adolescência?) podem receber o tratamento, por que não os jovens e adultos
Se me faltava mais um motivo para ficar perplexa quando a
questão é cuidar de meu filho com síndrome de Asperger (uma das facetas do
espectro autista) e portador de epilepsia refratária, ei-lo na resolução de 16
de dezembro de 2014 do Conselho Federal de Medicina: ao permitir que os médicos
prescrevam canabidiol apenas para crianças e adolescentes, a resolução veda ao
meu filho, e a muitos outros adultos, o direito de receber este medicamento
que, potencialmente, poderia ajudar no tratamento da epilepsia, doença que
coloca em risco a integridade física e também contribui para deteriorar as suas
capacidades cognitivas.
O canabidiol vem da cannabis sativa, a maconha, mas não
apresenta os efeitos alucinógenos desta planta. Mais conhecida como droga de
abuso, creio que os derivados químicos da maconha ficaram tão estigmatizados
que as pesquisas clínicas a respeito do seu potencial terapêutico são escassas.
É como se devessem ser queimadas as plantações de papoula, de onde se extrai a
heroína, e desta forma padecessem de dor excruciante os pacientes necessitados
de morfina, um derivado da heroína. Se, de fato, o canabidiol não é a milagrosa
panaceia capaz de curar todas as formas de epilepsia, no entanto pode ser,
dentre os medicamentos disponíveis, mais uma valiosa alternativa para tratar a
epilepsia refratária.
Há anos ecoa na minha mente a frase de uma neurologista, após
múltiplas tentativas e erros com antiepilépticos nacionais e alguns importados:
a esperança para o meu filho poderia estar em uma nova classe de remédios,
ainda não descoberta. Se existe incerteza quanto à segurança do uso prolongado
do canabidiol, o que dizer, então, da politerapia de que todos se valem durante
anos? E o que dizer das evidencias científicas segundo as quais, adultos com
epilepsia refrataria são três vezes mais propensos à morte prematura. Um estudo
finlandês revelou que 25% das crianças diagnosticadas com epilepsia estavam
mortas 40 anos depois. Quase todas com epilepsia refrataria.
Por seu comportamento diferente, meu filho é incompreendido e
mal interpretado no contato com a sociedade, que reage irritada, temerosa ou
com pena, dependendo da situação. E o estigma piora quando uma crise epilética
se dá em público. Eu estou do lado dele como protetora, assim como outros pais
nas mesmas condições, e tradutora/intérprete para a sociedade. É assim porque a
sociedade é preconceituosa e intolerante com quem não fala sua sofisticada
linguagem social e com o diferente ou aquele cuja doença se manifesta por meio
de comportamento incomum.
Na mesma linha, parece que a discriminação praticada pela
sociedade em relação aos “diferentes” se plantou nas mentes dos membros do
Conselho Federal de Medicina a semente do estigma sobre esta substância química
extraída da maconha.
Não aceito que meu filho possa ser considerado velho demais
para ser medicado e que, apesar dos três antiepilépticos diários, tenha de duas
a cinco crises semanais. Se crianças e adolescentes (aliás, qual o limite
cronológico da adolescência?) podem receber o tratamento, por que não os jovens
e adultos. O risco (de que mesmo?) é maior para estes? O canabidiol pode, ou
não, ser útil para o meu filho especificamente, mas de uma coisa estou certa: o
relógio de sua vida prosseguirá em uma caminhada inexorável, enquanto
burocratas, médicos, políticos, e seja lá mais quem for se embaraçam em um
novelo de discussões sem fim.
Maria Gabriela Menezes de Oliveira é
professora da Unifesp
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