A IMPERMANÊNCIA DO JORNALISMO DIANTE DA INOVAÇÃO
Desde o surgimento das Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação como espaço de produção, acesso, difusão e memoria das informações
que circulam entre nós, o campo do Jornalismo tem se defrontado com
questionamentos diversos e contínuos. Já tivemos de tudo: o fim dos meios
clássicos — ou o meio impresso mais especificamente, o determinismo tecnológico
sobrepondo-se à formação de opinião, a ameaça das tecnologias digitais na
transformação dos perfis profissionais do campo, o crescente protagonismo da audiência
na expressão de opiniões e sua decorrente autonomia, a transformação da
linguagem, a busca indefinida por modelos de negócio, entre as muitas questões
que vivenciamos.
Ao longo deste processo assistimos ao mundo
jornalístico — academia e mercado, buscando soluções que aproximassem a
digitalização dos preceitos consolidados do jornalismo como instituição de
legitimação social e, principalmente, dos processos redacionais e industriais
já conhecidos e dominados. Especialmente soluções que não alterassem o status
quo do negocio.
A palavra e as ações de inovação tem sido utilizadas
como motor dos sucessos e insucessos da convivência do jornalismo com a
digitalização. Talvez um uso razoavelmente injusto se considerarmos que
inovação na contemporaneidade é um processo muito mais abrangente do que a
implementação de tecnologias digitais e sistemas de mídias sociais.
Há que se assumir que inovar refere-se a uma postura
inerente à cultura de cada marca jornalística, à suas crenças e valores
relacionados a mudanças, sejam incrementais sejam de ruptura. Inovar também
refere-se ao grau de proximidade da marca jornalística com posicionamentos e
atividades hoje importantes, mas que nem sempre vinculadas ao core
business noticioso.
Se assumimos tais posturas temos também a considerar
que sempre será possível inovar no jornalismo, desde que se leve em conta as
diferenças de cada organização diante de aspectos como: planejamento
estratégico, monitoramento tecnológico, (re)integração da estrutura produtiva
para além das redações, conhecimento da audiência e suas mutações constantes,
sensibilidade às mudanças no composto de receitas, surgimento de novos
competidores, etc.
Poderíamos afirmar que, hoje, inovação no campo do
jornalismo refere-se a um continuo e resiliente movimento de adequação diante
da mutação dos processos cognitivos da sociedade e diante do impacto desta
adequação no papel de legitimação exercido pelo jornalismo.
Temos no cenário da inovação um estado de plena
impermanência que, muitas vezes, é difícil de aceitar num mundo onde precisão e
acuidade são regras pétreas.
Um jornalismo impermanente acolhe em seu caráter, sem
restrições, uma sucessão de adjetivações — evolutivo, renovador (eco)sistêmico,
encadeado, criativo e recriador; assim, nada (e ninguém) são permanentes ao
longo do tempo já que causas e condições variam sempre e, consequentemente, o
que resulta delas também muda, numa continua espiral de evolução.
A aceitação da condição de impermanência e sua
vivencia exige uma segunda condição essencial — aquela da plena atenção. Uma
espécie de antena aos acontecimentos, fatos, alterações, emergência de
dispositivos, enfim, atenção às transformações de tudo o que nos envolve
cotidianamente.
Se estendermos as fronteiras para a cena internacional
temos uma sucessão de exemplos paradigmáticos de inovação continua — The New
York Times e The Guardian puxando a fila. São
paradigmáticos porque assumem o estado de impermanência do campo e da própria sociedade
e, principalmente, porque conseguem adequar sua cultura e seus processos
organizativos a este estado sem criar abalos na credibilidade de marca, na
legitimação social e nos resultados do negocio.
Iniciativas de inovação no jornalismo
Evidentemente que tais paradigmas não são simplesmente
copiáveis, já que as múltiplas condições locais e regionais do negocio
jornalístico impactam diretamente a relação da marca com a inovação.
Mas, evidentemente, que tais paradigmas dever ser
considerados e entendidos pelo mundo jornalístico em sua busca por
(re)inovação.
Assim, dentro das limitações culturais e estruturais
de cada ambiente, poderíamos listar algumas ações pontuais que criam uma
relação de proximidade do jornalismo com a inovação:
– produção de conteúdos numa logica ecossistêmica,
conferindo escalabilidade ao processo redacional;
– atenção ao que hoje denomina-se “jornalismo de
plataformas” que alimenta o triunvirato GAF — Google, Apple e Facebook;
– questionamento sobre as novas “portas de entrada” da
audiência para o conteúdo produzido pela marca jornalística — aqui novamente os
GAF predominam;
– a implementação de parcerias entre empresas
informativas e diferentes possibilidades de alavancagem dos processos de
inovação e financiamento/investimento das mesmas, especialmente com a
Universidade e centros de pesquisa;
– a implementação do conceito de design editorial como
ponte para a integração de versões impressas, eletrônicas e digitais das marcas
informativas;
– a implementação de atividades/plataformas vinculadas
focadas em cultivar e fidelizar futuras audiências (crianças e jovens) hoje
nascidas já na logica digital, uma espécie de “escola de jornalismo” para
futuros leitores;
– a implantação do rebranding — atividade
e plataformas de curadoria informativa que objetivam a ampliação do espectro de
interesses da audiência digitalizada;
– a estratégia editorial investigativa — o longform
journalism dependente da competência analítica sobre o big data e alavancada
por iniciativas de uso de tecnologias de mineração de dados e outros recursos
de inteligência de dados por parte das redações;
– o uso adequado de aplicativos-novidade a exemplo do
Snapchat, podcasts, transmissão em tempo real com uso do Periscope/Twitter ou
conteúdos resultantes de drones.
Os exemplos que apresentamos são reais. Estão
ocorrendo não apenas em modelos paradigmáticos, mas também em empreendimentos locais,
iniciativas de startups, ou spin-off’s das marcas
clássicas.
Em sua maioria são exemplos que vem dos Estados Unidos
e da Europa. Mas, não podemos deixar de enfatizar iniciativas inovadoras no
Brasil: The Intercept Brasil, Farol do Jornalismo, Nexo, /Ponte, Meio,
inova.jor, Mídia Ninja, Blog do Sakamoto, El País Brasil.
Mas, não podemos nos esquecer que a grande maioria dos
exemplos brasileiros são iniciativas individuais, concebidas por profissionais
tarimbados nas grandes redações que não tem mais espaço nas mesmas, e não
possuem uma estrutura de negócio modelada e estratégica.
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