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COPAS E TRAGEDIAS: ARNALDO CÉSAR COELHO RELEMBRA A 'TRAGÉDIA DO SARRIÁ' NA ESPANHA EM 1982
23:22Carlos Alberto-Há 40 anos vivendo Brasília!
COPAS E TRAGEDIAS:
ARNALDO CÉSAR COELHO RELEMBRA A 'TRAGÉDIA DO SARRIÁ' NA ESPANHA EM 1982

O craque italiano Paolo Rossi e
Arnaldo Cezar Coelho na final vencida pela squadra azzurra contra a Alemanha
por 3 a 1 (Foto: MARK LEECH/OFFSIDE/GETTYIMAGES)
Na segunda fase, me escalaram para
apitar um jogo entre Alemanha e Inglaterra em Madri. Era uma partida de dois
campeões do mundo. E, nesse jogo, lá no estádio Santiago Bernabéu, do Real
Madrid, fui muito bem. Foi zero a zero, não teve cartão amarelo. Acabou o jogo,
e o Karl-Heinz Rummenigge, atacante da Alemanha, veio me cumprimentar e tudo
mais. A televisão até o mostrou me cumprimentando, e isso impressionou muito os
caras da Fifa.
Eu achava que seria turista dali em
diante. A Seleção Brasileira ganhava todas, e todos nós tínhamos certeza de que
ela jogaria a final. Eu, brasileiro, não poderia apitar. Então parei de fazer
meu preparo físico lá no centro de treinamento do Real Madrid. O Brasil vai
chegar à final, já apitei meu jogo, então não vou apitar mais, pensei. Naquelas
manhãs ia jogar tênis com o Armando Nogueira, que era diretor da TV Globo.
Parei de me exercitar com o António Garrido, árbitro português que sempre fazia
as corridas comigo e que entendeu minha situação.
Quando o Brasil perdeu para a
Itália na segunda fase, voltei a fazer minha educação física. Logo que me viu,
o Garrido falou: “Ué, voltou?”. “Voltei! Agora sou neutro que nem você!” O
Brasil estava fora, Portugal também. O Garrido achava que podia apitar a final,
e havia alguns juízes na mesma situação. De três lembro de nome. Além do
Garrido, havia o Abraham Klein, de Israel, e o Károly Palotai, da Hungria, um
ex-jogador. Eram juízes de 49 anos que todo mundo dizia que apitariam a final
da Copa de 1982, porque era o último ano deles. Naquela época, juiz só apitava
até os 50 anos de idade.
Eu tinha um assunto particular, que
era o seguinte: quando apitei meu jogo e o Brasil começou a ganhar tudo,
encontrei o então presidente da Fifa, João Havelange, e lhe fiz um pedido. Era
um jantar de uma solenidade. “Posso lhe pedir uma coisa que não é permitida?”
Ele respondeu: “O que é?”. “Não é permitido que esposas viajem com os juízes
para a Copa do Mundo, mas, já que o Brasil vai jogar a final e vou virar
turista, o senhor permite que a Graça, minha mulher, venha? Ela chega no sábado
e assiste ao jogo comigo no domingo.” Ele autorizou. Ainda pedi: “O senhor tem
de me arrumar dois ingressos!”. Ele me deu dois que valiam para a tribuna, lá
em cima no estádio. Eu os botei no bolso e falei para a Graça: “Viaja sexta à
noite, chega no sábado para a gente assistir à final com o Brasil em campo”.

Depois da eliminação do Brasil,
liguei correndo para ela e falei: “Não vem mais. Sem a Seleção na disputa,
tenho chance de apitar outro jogo. Não sei qual”. Não passava por minha cabeça
que pudesse ser a final. Poderia ser uma semifinal. Voltei a treinar, veio a
semifinal, e nada. Não fui escalado. Quando chegou a quinta-feira, ainda era
possível ser juiz para a disputa de 3º e 4º lugares. Era o que eu esperava. Na
quinta-feira de manhã, às 10 horas, me comunicaram sobre a escala. Ligaram e
disseram: “Parabéns, você vai ser o juiz da final”.
Liguei em seguida para casa, para
os amigos. Liguei para o Sérgio Noronha, jornalista que estava lá como
comentarista da TV Globo, e quem atendeu foi o Galvão Bueno. Eu, achando que
era o Sérgio, comecei a falar: “Ô, Sérgio, que maravilha! Vou apitar a final!
Vou apitar a final!”. Eu tinha mais intimidade com o Sérgio do que com o Galvão
naquela época. O Sérgio era meu colega de praia. O Galvão conta e se diverte
até hoje com essa história.
No sábado, o senhor Abílio de
Almeida, responsável pela arbitragem na Fifa, que deu força para eu ser
escalado, foi até o hotel onde eu estava e disse: “Esta é sua oportunidade.
Você não queria apitar?”. Eu sonhava, mas nunca pensei que fosse acontecer de
maneira tão prematura. Ao chegar ao estádio, lembro que eu estava com um
inspetor do México e os bandeiras. Saltei do carro, e o Carlos Nascimento, que
era da Globo e hoje está em outra emissora, veio me entrevistar. Os seguranças
não deixaram. Eu me meti no meio e pedi calma. Eu falava assim: “Tranquilo,
tranquilo, tranquilo!”. Isso vi numa gravação recentemente, porque não me
lembrava mais. Dei a entrevista para o Nascimento dizendo que estava calmo.
Tinha sido incentivado por vários telegramas que recebi. Um deles do Armando
Marques, também árbitro, que era meu ídolo, meu mito. O telegrama dele eu
coloquei na parede. “Arnaldo, apite por todos nós.” Sabe o que é isso? Apitar
por todos os árbitros brasileiros? Fui para a final meio anestesiado.
Durante passeio a Lisboa, Coelho com a mulher, Graça, e a filha Mariana
(Foto: ROBERTO MOREYRA/AGÊNCIA O GLOBO)
Cheguei ao estádio e fui percorrer
o campo. Veio um fotógrafo que eu não conhecia. Era brasileiro. Ele me deu um
envelope. Fui abrir só no vestiário com um medo tremendo. Eu me lembrava de uma
carta que recebi na Bahia, com uma caveira e dizendo que eu morreria caso o
time de lá perdesse o jogo. Mas agora era a carta de um brasileiro. E a carta
estava assinada por todos os jornalistas brasileiros que estavam na sala de
imprensa. O Sandro Moreyra escreveu. Eu sabia, porque era a letra dele. Ele
dizia que todos estavam torcendo por mim, que eu era o brasileiro na final.
Isso me emocionou, não é? Entrei no campo sob tensão.

Naquela final entre Itália e
Alemanha, marquei um pênalti ainda no primeiro tempo. Eu não estava bem
colocado no campo, porque foi um passe muito longo. Estava no meio do caminho,
correndo. Quem cobrou por parte da Itália foi o Cabrini. Ele bateu à direita do
gol. Não é que eu tenha torcido para que ele errasse o pênalti, mas fiquei
aliviado quando a bola foi para fora. O juiz, quando dá um pênalti, por mais
claro que seja, sempre vai sofrer com alguém que diz que não foi. Ele chutou
para fora, e fiquei aliviado. Já imaginou se acaba o jogo com 1 a 0 num gol de
pênalti? Vão questionar. Mesmo que na Europa se questione menos do que no
Brasil.
O resto do jogo foi aquilo que todo
mundo viu. Nos dez minutos finais, eu estava morto. O cansaço mental passou
para o físico. Minha preocupação era levantar a bola logo para acabar o jogo.
Tenho de registrar um fato importante. Eu tinha recomendado aos bandeirinhas,
um deles o israelense Abraham Klein, para que não pegassem a bola quando ela
saísse pela linha lateral. Isso era trabalho dos gandulas. E o Klein ficava
pegando toda hora! Tinha regulamento da Copa do Mundo que dizia que, se a final
acabasse em empate, haveria um novo jogo na terça-feira seguinte. O Klein fazia
isso porque, se a Alemanha empatasse com a Itália, ele estava escalado de
antemão para o jogo de terça-feira. Eu não seria mais o juiz da final da Copa
se isso acontecesse! Em uma das vezes em que ele buscou a bola para os alemães,
abri os braços como quem diz: “Pô, não falei que não era para pegar a bola?”. O
Klein é um grande amigo até hoje.
O jogo acabou com 3 a 1 para a
Itália. O que eu fiz? Esvaziei a bola e botei em minha mala. A Fifa vai ao
vestiário pegar a bola do jogo, mas eu tinha experiência para saber o que
fazer. Numa partida em 1978, fiz a mesma coisa com um amigo que era árbitro:
esvaziei a bola, dei para ele e entreguei para a Fifa uma bola reserva. Vinte e
cinco anos depois, fui apitar um jogo comemorativo daquelas seleções em
Stuttgart, na Alemanha. O organizador pegou meu número com o Júnior, ex-lateral
do Flamengo e da Seleção. Em um jantar numa fábrica da Mercedes, pedi que os
jogadores alemães e italianos daquela final assinassem a bola. Peguei os
autógrafos de quase todos, menos de um que já tinha morrido. Inclusive do Uli
Stielike, que me deu trabalho durante o jogo. As outras lembranças não sei mais
onde estão. O uniforme, meu filho usava em festas à fantasia. Nem sei mais onde
está. O apito, dei de presente a um amigo jornalista, Carlos Leonan, e ele não
me deixa pegar de volta. Mas a bola, e as lembranças, guardo comigo até hoje.
ÉPOCA GLOBO.COM
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