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MARQUETEIROS POLITICOS: CUIDADO COM ELES! SÃO MESMO INDISPENSÁVEIS?
17:17Brasília, Brasil e o mundo sem retoques!
MARQUETEIROS POLITICOS: CUIDADO COM
ELES!
FEDERICO FELINI GOSTARIA DELES?
SÃO MESMO INDISPENSÁVEIS?
Os políticos famosos e as personalidades gastam
tempo e dinheiro com profissionais responsáveis por sua imagem que maquiam sua
forma de se apresentar em público. Equivocam-se, uma vez que a melhor
apresentação e a mais convincente é a autenticidade.
Muitas vezes, inclusive, deixam que destruam o melhor do personagem para
apresentá-lo artificialmente, sem identidade própria.
De fato, os políticos com maior força pública são aqueles que se
apresentam com suas qualidades e defeitos, sem se transformarem em robôs
inexpressivos e irreconhecíveis.
Vejamos o exemplo do ex-presidente Lula,
um dos políticos mais carismáticos justamente porque não se esconde sob
aparências que não lhe correspondem. E quando foi tentado a fazê-lo, se saiu
mal.
O Lula que o povo gosta ou desgosta é o autêntico, o que fala a linguagem
colorida dos trabalhadores nos bares da periferia, de quando era torneiro
mecânico e sindicalista, não o político elegante vestido de Armani.
]Ou falava!
Imagine se Lula, em vez de usar sua linguagem florida de palavrões e
grunhidos, saísse por aí recitando latinices emprestadas de Cícero.
E imagine, ao contrário, Michel Temer soltando palavrões. A ele sim caem
bem as sentenças em latim dos clássicos que conhece e os florilégios da
gramática que domina.
Tudo o que signifique se afastar da própria identidade desnaturaliza a
pessoa e lhe faz perder densidade e credibilidade.
Isso acontece com os políticos e com os artistas e pensadores. Nada
aproxima mais as pessoas do que ser como se é. E isso não custa dinheiro. Em
minha longa carreira jornalística tive a oportunidade de me encontrar e de
poder entrevistar centenas de personalidades. Os mais interessantes, ainda que
às vezes os mais duros de lidar, foram sempre os que se apresentaram como eles
mesmos, sem máscaras nem maquiagens.
Recordo, por exemplo, na Itália, minha primeira entrevista com o genial
cineasta Federico
Fellini, autor de obras imortais como Roma e A
Doce Vida.
Fellini sempre foi, e nunca escondeu, um adolescente com todas as suas
manias, que às vezes fazia desesperar e em outras encantava. Mas era sempre
ele, que não aceitava ser entrevistado sem que antes colocasse seu chapéu de
feltro e seu cachecol de lã, mesmo que fosse no verão.
Tinham me alertado e fui precavido para a minha primeira entrevista.
Recebeu-me com toda a sua vestimenta e fazendo desenhos em uma folha branca de
papel, enquanto eu falava com ele. Quando fiz a primeira pergunta, sem levantar
os olhos do papel, me espetou: “Que pergunta estúpida!”. Mordi meus lábios e
voltei a repeti-la, como se não tivesse o escutado. Havia lhe perguntado como
nascem os nomes de seus filmes. Tentou escapulir chamado seu secretário
Vicentinho, de uns cem quilos, para que ele me respondesse. Nós dois nos
olhamos, e dessa vez ganhei a batalha. Parou de desenhar e, me olhando, deu uma
resposta magistral. Disse que os títulos iam crescendo como o filho no ventre
de sua mãe, até que toma forma e aparece. Explicou à la Fellini, como o gênio
que era.
Imagine um Fellini domesticado por um marqueteiro? Um crime humano e
artístico. Ele era um gênio porque sabia ser ele e não outro, nem melhor nem
pior.
Só ele.
Também na Itália, o maior escritor da máfia, o siciliano Leonardo Sciascia,
era um avarento das palavras. Dizia que sobravam 80% das que pronunciamos.
Também era difícil entrevistá-lo porque respondia com um substantivo ou com um
adjetivo. Naqueles anos, a máfia matava juízes e policiais. Perguntei-lhe o que
era para ele a Sicília, e me respondeu: “Não é só máfia”. Tinha razão. A
Sicília foi, é e será um patrimônio da Humanidade. Cada vez que lembro disso
quero que algum jornalista me pergunte o que é o Brasil para responder
como ele: “Não é só violência e corrupção”, porque esse país é infinitamente
mais do que isso, apesar de tantos políticos corruptos.
Certa vez, comendo na pequena cozinha de seu apartamento simples em
Palermo com ele e sua esposa, Maria, ela lhe disse: “Leonardo, temos que trocar
de geladeira”. Ele perguntou: “Maria, funciona?”. “Sim, funciona, mas é muito
velha”. E ele: “Mas funciona!”.
Todo um doutorado de anticonsumismo. Assim são
os grandes gênios. Foi a voz da consciência da Itália com seus artigos no Il
Corriere della Sera, nos anos obscuros do terrorismo.
Sciascia era ele e só ele. Por isso sua força intelectual e moral. Morreu
alertando os juízes que a máfia assassinava, que não se deixassem contagiar
pela “fumaça da fama”, que podia acabar lhes sacrificando inutilmente.
Uma vez que lhe perguntei se acreditava na inocência, me respondeu: “Não,
porque não existe nem nas crianças”.
E foi justamente na Itália onde um político, sendo eu ainda um jovem
estudante, me conquistou por sua seriedade, austeridade e personalidade, sem
que tivesse sido moldado por marqueteiros. Refiro-me ao então líder do Partido
Comunista, Enrico Berlinguer. Aquele sardo, feito de raízes como os pastores de
sua terra, era outro pão-duro de palavras, mas foi a alma do eurocomunismo
naquele momento. Também não gostava de falar nem dar entrevistas. Nunca
consegui, apesar de ter confessado para ele que a primeira vez que votei em
minha vida, quase aos 40 anos, graças a ter conseguido a cidadania italiana,
havia sido nele. Não se comoveu. “É que eu sou muito lento, um elefante”, me
disse um dia, sentado ao meu lado durante um Congresso de seu partido.
No dia que morreu saíram às ruas de Roma dois milhões de pessoas para se
despedir dele, como quando a Itália ganhou a Copa do Mundo.
Estava por acaso de
visita Gorbachev, e ficou impressionado de ver a capital do cristianismo sair
às ruas chorando para o funeral do líder do Partido Comunista.
É que Berlinguer era mais que um político. Era um personagem íntegro como
político e como cidadão. Conquistava com sua austeridade e falta de
protagonismo.
Os políticos ganhariam em dinheiro e em eficácia se, em vez de se
deixarem plasmar artificialmente pelos marqueteiros, aprendessem a se
apresentar com suas virtudes e defeitos, sem esconder nada, e sem querer
parecer nem melhores nem piores do que são. Nada como ser eles mesmos. O
público agradeceria, e o bolso também.
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