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SUICÍDIO DE GAROTA TRANS BRASILIENSE REABRE DEBATE CONTRA PRECONCEITO
12:41Brasília, Brasil e o mundo sem retoques!
Victória se matou no apartamento em que vivia com a bisavó materna.
Familiares, amigos e militantes se queixam de exclusão social
O suicídio de uma garota trans
brasiliense de apenas 18 anos colocou em alerta a comunidade que luta pelos
direitos da população LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis,
transexuais, pessoas trans e intersex). A jovem, que estava em processo de
transição de gênero, matou-se na sexta-feira da semana passada (4/1), depois de
enviar mensagens a amigos e publicar textos nas redes sociais reclamando de
preconceito e exclusão.
Victória nasceu Victor em julho de
2000, filha de Alessandra Jugnet, 42 anos, e Pablo Grossi,
38. Segundo a mãe conta, desde cedo a família percebeu que os
interesses do filho estavam mais relacionados ao que, convencionalmente,
associa-se ao universo feminino. “Para mim, isso não era motivo de preocupação
e, muito menos, razão para que eu a reprimisse”, afirma Alessandra, que
trabalha como maquiadora. Aos 15 anos, Victor disse para a
mãe que era gay, e ela então decidiu levá-lo ao Adolescentro, centro de
atendimento em saúde mental da rede pública do Distrito Federal. Lá, ele fez
amigos, iniciou tratamento psicológico e passou a falar sobre a possibilidade
de assumir identidade de gênero feminina. “Minha filha sonhava em ser Victória
ou Camilla, ficava variando entre esses dois nomes”, conta Alessandra. Depois
de completar 18 anos, Victória confirmou que desejava fazer a transição e,
há quatro semanas, havia começado a tomar os bloqueadores ara inibir os
hormônios masculinos.
A mãe avisou à escola (Escola
Franciscana Nossa Senhora de Fátima) sobre a decisão da filha a respeito da
transição de gênero. Apesar de ser uma instituição católica, o fato foi acatado
com normalidade pela direção. Professores e colegas foram orientados a chamá-la
pelo nome social. “É claro que a Vick passou por preconceitos – quando se é
diferente, se passa por preconceitos o tempo todo e em todos os lugares –, mas
ali houve um esforço em acolhê-la”, afirma Alessandra. Opinião confirmada por
um colega trans que estuda no mesmo colégio.
Por volta de setembro de 2018,
entretanto, Vick desistiu de estudar. De acordo com a mãe, alimentava a ideia
de voltar ao convívio com os colegas apenas depois de completar a transição.
Também estava mais assustada e isolada, não queria sair do apartamento nem para
comprar pão. Amiga de Alessandra, a militante LGBTI Daniela Ferreira, 39
anos, afirma que Vick estava amedrontada: “Ela sabia que, por mais que tivesse
uma mãe afetuosa, a sociedade não a aceitaria. Falas preconceituosas têm
ganhado força e visibilidade, isso representa medo constante para nós”.
Especialistas concordam que não há
uma única causa para os suicídios. Eles estão relacionados a fatores que dizem
respeito à individualidade de cada ser humano e ao contexto
sociofamiliar no qual estão inseridos. Pesquisas também apontam que a
população LGBTI está mais sujeita a transtornos mentais que resultam,
entre outros sintomas, na automutilação.
De acordo com artigos publicados na
revista científica The Lancet, 60% dos transgêneros sofrem de depressão. Outro
trabalho, divulgado na Pediatrics, mostra que 14% dos jovens na faixa entre 11
e 19 anos de idade pesquisados relataram já terem tentado o suicídio,
sendo que o grupo mais vulnerável foi o dos homens trans (sexo feminino em
transição para masculino) – neste recorte, as tentativas bateram em 50,8%.
“A condição de exclusão permanente
facilita comportamentos de isolamento, de sofrimento e de transtornos mentais.
Eles também correm mais risco de serem alvo de ações violentas. A discriminação
e os preconceitos aos quais esses jovens são submetidos estão na raiz de tudo”,
afirma Luiz Fernando Marques, médico da rede pública que é um dos coordenadores
do Grupo da Diversidade do Adolescentro. Para acolher os amigos de Victória e
prevenir ações autodestrutivas, o Adolescentro antecipou o retorno das reuniões
desse grupo.
Estudante de história, o transexual
Christopher João Santos Souza, 23 anos, conta que a depressão é uma ameaça
constante. “Algumas vezes a gente tem vontade de desistir sim, é difícil ser
aceito em casa, é difícil ser aceito fora de casa, é difícil encontrar
trabalho”, relata. Para ele, o caminho tem sido medicação, tratamento
psicológico e ativismo. Christopher faz parte grupo TransCrew, formado por
jovens trans que realizam grafites (arte de rua) pelas cidades do DF.
O velório de Victória foi realizado
na última quarta-feira (9/1). Cerca de 200 pessoas compareceram à homenagem.
Além de familiares e amigos dos pais, havia colegas da escola, do Adolescentro
e militantes LGBTI, entre eles um grupo de mulheres chamado Mães pela
Diversidade. Uma delas, a servidora Sônia da Silva Martins, 68 anos, fez um
desabafo emocionado. “Tenho uma filha lésbica. Sei o que é preconceito. A
Victória cansou, mas nós não podemos desistir. Em honra a Victória,
sejamos felizes.”
Alessandra Jugnet, mãe de Victória,
decidiu que dedicará o resto da vida a lutar pela visibilidade das causas
LGBTI. “Se o mundo fosse melhor, poderia ter sido diferente.”
Busque ajuda
O Metrópoles tem a política de publicar informações sobre casos ou tentativas de suicídio que ocorrem em locais públicos ou causam mobilização social, porque esse é um tema debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral.
A Organização Mundial da Saúde
(OMS) recomenda que o assunto não venha a público com frequência, para o ato
não ser estimulado. O silêncio, porém, camufla outro problema: a falta de
conhecimento sobre o que, de fato, leva essas pessoas a se matarem.
Depressão, esquizofrenia e uso de
drogas ilícitas são os principais males identificados pelos médicos em um
potencial suicida – problemas que poderiam ser tratados e evitados em 90% dos
casos, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria.
Está passando por um período
difícil? O Centro de Valorização da Vida (CVV) pode ajudar você. A organização
atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e
gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total
sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype, 24 horas, todos os dias.
METROPÓLES.COM
NOSSO SITE TAMBÉM APOIA ESTA CAUSA.
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