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PIQUIÁ DE BAIXO NO MARANHÃO- AQUI MORAM VÍTIMAS DA VALE QUE ESPERAVAM UMA VIDA MELHOR!
13:21Brasília, Brasil e o mundo sem retoques!
PIQUIÁ DE BAIXO EM AÇAILÂNDIA:
Aqui o sofrimento não termina nunca!
Aqui o sofrimento não termina nunca!
O contraste é enorme. De um lado, a indústria de ferro gusa ligada ao
projeto desenvolvimentista nacional e à inserção brasileira no mercado
internacional de commodities. De outro, a comunidade e sua dinâmica local.
Resultado: acidentes mortais de pessoas e animais (numa média recente,
são duas pessoas atropeladas e mortas pelo trem da Estrada de Ferro Carajás a
cada três meses).
O Projeto Carajás, lançado no contexto da política desenvolvimentista da
Ditadura Militar, trouxe para a região a Companhia Vale do Rio Doce – criada em
1942 durante a Era Vargas e privatizada sob protestos e denúncias escandalosas
em 1997, durante o governo Fernando Henrique Cardoso – para extrair,
industrializar e conduzir minérios, principalmente de ferro, para exportação,
visando "promover o crescimento econômico" da região.
Vista das instalações das siderúrgicas vizinhas à comunidade. Image © USINA CTAH
A empresa começou com um volume de 30 milhões de toneladas de minérios extraídos ao ano. Hoje chega a aproximadamente 100 milhões e pretende alcançar a meta de 230 milhões de toneladas ao ano até 2019. A alta qualidade do minério permite excepcional lucratividade: o custo de produção declarado pela empresa, entre a retirada da matéria prima, sua transformação básica e o transporte até o porto, é de US$20 a US$22/tonelada. Em tempos mais lucrativos, o preço da tonelada chegou a US$180/tonelada, e hoje varia entre US$80 e US$120.
Atualmente, uma das maiores consumidoras do ferro gusa – utilizado na
construção civil – é a cidade de Xangai. A Vale costuma se orgulhar pelo fato
de a capital chinesa ter sido erguida com minério brasileiro. Hoje, cerca de
98% do minério extraído e produzido é exportado. Ficam na região apenas 2% dos
minérios – e, naturalmente, ficam também os desastres ambientais ligados ao seu
processo de produção.
Fazem parte da cadeira produtiva do ferro gusa três matérias-primas
fundamentais: o minério de ferro, a madeira para produção de carvão vegetal e a
água para resfriamento dos altos fornos.
Piquiá de Baixo em Açailândia: Aqui a Vale não não para de fazer o povo sofrer!
Desde quando as indústrias se
instalaram na região de Açailândia, na década
de 80, a apropriação irresponsável desses bens naturais poluiu as águas e
devastou a floresta nativa. Para dar continuidade à produção do carvão, foi
necessário cultivar eucalipto – cuja produção, através de monocultura, causa
danos ambientais graves, além de expulsar os pequenos produtores agrícolas da
região.
A tecnologia adotada nas indústrias de produção do ferro gusa está
completamente obsoleta: a quantidade de poeira tóxica liberada através desses
sistemas poderia ser diminuída consideravelmente com adoção de novas soluções –
já experimentadas em polos mais ricos, como os de Minas Gerais.
No meio do caminho, à beira da ferrovia que liga os novecentos
quilômetros entre as minas e o porto de São Luís do Maranhão, se encontra a
Comunidade do Piquiá de Baixo. Foi ali, antes da existência linha de ferro – e
da poeira do minério –, que Edvard Dantas Cardeal escolheu viver. Atual
presidente da Associação dos Moradores da Comunidade do Piquiá de Baixo, Seu
Edvard escreveu uma carta ao então Presidente Lula explicando a situação em que
viviam as famílias do Piquiá e recebeu como retorno um direcionamento que
apontava caminhos e órgãos públicos que deveriam ser procurados pela
comunidade.
Os processos que viabilizaram a escolha do terreno, a opção por
assessoria técnica própria e a reivindicação de participarem da elaboração do
projeto do futuro bairro e das futuras casas são pistas que indicam um grupo
que, apesar de desfavorecido, escolheu ser protagonista de seu futuro.

A luta pelo reassentamento e pela autonomia na concepção do futuro bairro
O Piquiá de Baixo é mais um entre mais de cem grupos humanos, de
diferentes etnias, costumes e tradições – habitantes de cidades ou camponeses,
indígenas e quilombolas – afetados pela violenta implantação da indústria
mineradora nas regiões norte e nordeste do país. Mas, diferentemente da maioria
dos casos, a comunidade do Piquiá de Baixo tem conquistado vitórias
expressivas.
Desde suas mobilizações iniciais, os moradores têm tido como parceiros a
Rede Justiça nos Trilhos, a Paróquia São João Batista de Açailândia –
Diocese de Imperatriz – e o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos
de Açailândia Carmen
Bascarán – esse último, indicado pela assessoria do presidente Lula em resposta
à carta de Edvar. As violações do direito à moradia e à saúde também
despertaram a atenção de organizações de defesa dos direitos humanos de outros
estados no Brasil e mesmo no exterior. O caso do Piquiá de Baixo foi objeto de
estudo recente da Federação Internacional de Direitos Humanos e da Justiça
Global, em parceria com a Rede Justiça nos Trilhos, e resultou em um relatório
publicado em maio de 2011 [2]. Há ainda um inquérito civil público instaurado
pelas Promotorias de Justiça em Açailândia, que segue
em andamento.
Em janeiro de 2012 a publicização do caso teve novo impulso por meio de
uma edição da Revista Caros Amigos que trouxe uma matéria sobre o caso do
Piquiá de Baixo com o título: "Pólo siderúrgico, o inferno de Pequiá: onde
o povo respira fuligem de ferro". Em abril do mesmo ano, a questão foi
levada ao conhecimento dos acionistas da Vale S.A. durante a Assembleia Geral
Ordinária de 2012 na sede da empresa no Rio de Janeiro. No mesmo mês, o caso
foi denunciado à Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada.

Em maio de 2012, o caso do Piquiá foi debatido no Ministério das Cidades
com a Secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães. Logo depois, foi levado
ao Conselho de Direitos Humanos da ONU durante a avaliação do cumprimento das
normas internacionais de direitos humanos assinadas – e ratificadas – pelo
Estado Brasileiro.
A pressão dos moradores conquistou a esfera jurídica quando o Ministério
Público e a Defensoria Pública do Estado do Maranhão abriram uma mesa de
negociações para viabilizar o reassentamento da comunidade.
Dessa mesa
participaram o Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Maranhão (SIFEMA), a
Vale S.A., a Prefeitura Municipal de Açailândia e o
Governo do Estado do Maranhão, além da Associação de Moradores e a Rede Justiça
nos Trilhos.
Após muitas negociações e pressão, o Ministério Público celebrou um Termo
de Ajuste de Conduta (TAC) em maio de 2011, que determinava a desapropriação de
terreno para o reassentamento da comunidade. O Município deveria desapropriar a
parcela de terra, que seria escolhida a partir das exigências previamente
estabelecidas pela comunidade, e o SIFEMA deveria cobrir os custos da
desapropriação. Apesar de grande conquista, este seria apenas o primeiro passo
de uma longa jornada para a efetivação da conquista da terra. O valor da
desapropriação foi contestado pelo proprietário do terreno escolhido, e teve
início uma sequência de episódios nefastos de corrupção envolvendo entes
públicos e privados, devidamente identificados e auditados pelas autoridades.
Apenas recentemente, em setembro de 2014, ou seja, após dois anos e quatro
meses, foi dada a sentença final do juiz, e o processo de desapropriação foi
concluído. A utilização de terras públicas ou desapropriadas pelo Estado para
este fim – reassentar populações já residentes em áreas afetadas por grandes
projetos, como nos casos ligados a grandes eventos (Copa do Mundo ou
Olimpíadas) – comprova a necessidade da criação de uma política pública
específica para os casos de reassentamento forçado no Brasil.
Em agosto de 2012 foi celebrado o segundo TAC entre o Ministério Público
e o SIFEMA, com o objetivo de contratar os serviços necessários para a
realização do projeto arquitetônico e urbanístico do Reassentamento do Piquiá
de Baixo. Assim, a comunidade conquistou o direito de contratar assessoria
técnica própria, além de realizar os estudos necessários no terreno do
reassentamento para subsidiar o início do projeto, e também contratar uma
equipe multidisciplinar para elaboração dos critérios para definição das
famílias contempladas.
Os momentos de mobilização coletiva que construíram a caminhada da
comunidade permanecem vivos na memória das famílias. Entre todas as
mobilizações realizadas pela comunidade em todos estes anos, algumas foram
muito marcantes, como a que ocorreu em dezembro de 2011, quando centenas de
moradores saíram em marcha e bloquearam a BR-222 que liga Açailândia a São
Luís. O bloqueio durou mais de 4 horas em um protesto prolongado com queima de
pneus. Algum tempo depois os moradores do Piquiá de Baixo voltaram a protestar
durante a visita da governadora Roseana Sarney a Açailândia,
utilizando máscaras respiratórias descartáveis que evidenciavam simbolicamente
sua situação. Outro protesto marcante foi o que forçou o pagamento da
desapropriação por parte das Siderúrgicas, quando os moradores realizaram um
verdadeiro esforço de cooperação e, divididos em turnos, fecharam durante 30 horas
os portões de entrada e saída das indústrias.
O projeto para o novo bairro

O processo de projeto do novo bairro ocorreu com grande entusiasmo por
parte das famílias do Piquiá – afinal, o próprio fato de poderem pensar o novo
bairro e a nova casa junto com a equipe técnica era em si uma grande conquista.
Para a assessoria técnica USINA, dois grandes
desafios se colocaram em relação ao projeto: em primeiro lugar, os quase 2.400
km que separam São Paulo de Açailândia, vencidos
por dois trechos de vôo até Imperatriz e um trecho de carro até o destino
final. O outro desafio era o tempo exíguo para realização do projeto: os
acordos com o Ministério Público haviam definido poucos meses entre o início
das atividades de projeto com as famílias e a aprovação final nos órgãos
financiadores.
Assim, a estratégia foi realizar o processo participativo de projeto em
encontros restritos cujo aproveitamento era máximo: reuniões à noite,
atividades durante o dia todo com divisão em grupos de trabalho. O processo de
projeto participativo possibilitou um diálogo estreito entre a assessoria e as
famílias – permitindo que estas se aproximassem do desenvolvimento técnico do
projeto do futuro bairro, ao mesmo tempo em que permitiu à equipe da USINA compreender as
particularidades da forma de morar desta região do país.
A proposta final do projeto de reassentamento estrutura o terreno de 38
hectares ao longo de um eixo que se configura como um calçadão arborizado e
ininterrupto para pedestres e ciclistas, a partir do qual será possível acessar
todos os equipamentos e espaços coletivos que serão implantados, assim como
duas áreas verdes existentes que serão preservadas.
A integração com o bairro vizinho ao terreno do reassentamento, o Novo
Horizonte, foi desde o início uma diretriz colocada enfaticamente pelos
próprios moradores do Piquiá de Baixo, que buscavam compartilhar a futura
infraestrutura e os equipamentos com os moradores ao lado. Assim, foram
previstos nove equipamentos para servir os dois bairros: Associação de
Moradores, Clube das Mães, Mercado, Centro Esportivo, Creche, Escola, Memorial
das Lutas do Piquiá, Unidade Básica de Saúde - UBS, Centro de Referência em
Assistência Social - CRAS e um Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos.
O arranjo dos lotes no desenho do reassentamento surgiu da observação do
hábito dos próprios moradores do Piquiá: é no espaço público, em frente à casa
– e preferencialmente sob uma frondosa árvore –, que eles se reúnem com os
vizinhos para conversar no final do dia e nos finais de semana. Assim, os lotes
estão organizados em pequenos núcleos, que são dispostos de forma a configurar
uma pequena praça a cada conjunto de 26 casas. Nestas praças também será
cumprida a função de tratamento das águas servidas das casas. Como não há rede
de coleta e tratamento de efluentes na cidade de Açailândia, a solução
considerada mais adequada foi o tratamento no local através de sistemas
biológicos. O desenho do arranjo entre os lotes também guarda a ideia de
incentivar o compartilhamento dos fundos de lote de diferentes casas entre
integrantes da mesma família ou amigos, gerando espaços semipúblicos em comum.
Nesse sentido, o projeto desenvolvido junto à Comunidade do Piquiá de
Baixo aponta para outra forma de construir cidades, buscando oferecer aos
trabalhadores um ambiente onde os mais diversos aspectos da vida estejam
integrados – contrapondo-se aos grandes conjuntos habitacionais isolados, sem
serviços públicos ou infraestrutura urbana. Trata-se, naturalmente, de uma
forma alternativa de produção do espaço habitado, em oposição às modalidades
dominantes – privadas ou estatais –, que segregam os trabalhadores,
sujeitando-os a condições precárias de moradia.
Depois de um ano de espera para que o projeto fosse finalmente aprovado
na Prefeitura de Açailândia,
as famílias do Piquiá aguardam agora a aprovação do projeto junto à Caixa
Econômica Federal, responsável pelo Programa Minha Casa, Minha Vida Entidades –
por meio do qual serão realizadas as unidades habitacionais e parte da
infraestrutura, que será complementada com aporte da Fundação Vale e do
Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa.
A luta, portanto, ainda está em andamento e seu desenrolar em aberto. As
conquistas da comunidade têm sido expressivas, sobretudo diante da desproporção
de escala entre a comunidade local e a indústria nacional/global. Talvez por
isso mesmo. As reivindicações da Comunidade do Piquiá de Baixo transcenderam a
luta local e se tornaram uma bandeira maior que expõe a outra face dos
programas desenvolvimentistas. Ao mesmo tempo em que alcança níveis
internacionais (como a ONU), essa luta se costura no chão da comunidade, nas
relações humanas diretas, como tão bem expressa a carta que Seu Edvard escreveu
ao seu neto Moisés: A beleza dessa luta é que a gente não cansa, e quando
houver uma derrota, a gente reage com mais ânimo e convicção: é claro demais
que a gente é vítima, há uma injustiça evidente! A lei não poderá se enganar:
seremos ressarcidos! Às vezes também os avós se iludem e sonham que nem um
jovem inexperiente... Afinal é a esperança que nos sustenta. Mas aprendi,
Moisés, que a esperança é uma criança que precisa de duas irmãs mais velhas: a
paciência e a sabedoria.
Perspectiva do estudo preliminar. Image © USINA CTAH
NOTAS
[1] Os laudos constataram que os índices de doenças de pele,
respiratórias e de visão no povoado são muito superiores aos da média nacional.
Causas de morte têm se repetido substancialmente em decorrência de
enfermidades respiratórias graves, como câncer no pulmão ou em algum outro
órgão do sistema respiratório. Já houve também mortes de crianças em contato
com a escória incandescente.
[2] O relatório está disponível na íntegra no site dessas três
organizações.
INDICAÇÕES DE LEITURA
Esta longa reportagem do Washington Post descreve as diversas violações
sofridas por comunidades atingidas pelas operações da empresa Vale S.A. ao
longo da Estrada de Ferro Carajás. Destaca-se o drama das mais de 300 famílias
do Piquiá de Baixo, atingidas pela poluição do polo siderúrgico de Açailândia, Maranhão.
FICHA TÉCNICA DO PROJETO
Local:
- Açailândia
– MA
Linha do tempo:
- 2009 –
Primeiras conversas/ Negociação
- 2012 –
Início do projeto
Agente organizador:
- Associação
Comunitária dos Moradores do Piquiá, Justiça nos Trilhos e Paróquia Santa
Luzia do Piquiá – Açailândia
Atividades desenvolvidas pela USINA:
- Assessoria
na discussão e elaboração dos projetos
- Aprovação
do projeto na Prefeitura de Açailândia (maio
de 2013 a maio de 2014)
- Aprovação
do projeto da Caixa Econômica Federal (em andamento)
Escopo do projeto:
- Projeto
de arquitetura e urbanismo para a implantação de 320 unidades
habitacionais em três tipologias; clube de mães e associação comunitária;
mercado; centro esportivo; escola; creche e memorial de lutas do povo do
Piquiá
Equipe:
- Arquitetura
e Urbanismo: Ana Carolina Carmona Ribeiro, Cecília Correa Lenzi, Gabriel
Delduque, Kaya Lazarini e Wagner Germano.
- Trabalho
Social: Sandro Barbosa
Principais interlocutores:
- Lideranças:
Edvard Dantas (Presidente da Associação de Moradores), Padre Dário e Irmão
Antônio (Missionários Combonianos), Danilo Chammas (Justiça nos Trilhos),
Antônio Filho e Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen
Bascarán de Açailândia.
Técnicas construtivas:
- Alvenaria
estrutural em blocos cerâmicos e cobertura em telhas cerâmicas sem laje
Famílias: 312
PESQUISA: FONTE:
https://www.archdaily.com.br/br/768315/usina-25-anos-reassentamento-da-comunidade-do-piquia-de-baixo
PESQUISA: FONTE:
https://www.archdaily.com.br/br/768315/usina-25-anos-reassentamento-da-comunidade-do-piquia-de-baixo
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