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PRESOS LÍDERES DE FACÇÕES ESTÃO SENDO REMOVIDOS PARA PRESIDIOS DE SEGURANÇA MÁXIMA
19:44Brasília, Brasil e o mundo sem retoques!
A Justiça de São Paulo determinou a
transferência de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola,
apontado pelo Ministério Público como líder do PCC (Primeiro
Comando da Capital), da P2, em Presidente Venceslau, no interior de São
Paulo, para um presídio federal. Além dele, pelo menos outros 21 integrantes da
facção criminosa estão na lista de transferidos. Uma das principais razões para
a transferência é a tentativa de quebrar a rede de comunicação que a facção
instalou na P2, que acabou ficando conhecida como “escritório-sede do PCC”, revelada em escutas divulgadas
pela Ponte. Embora seja considerada de segurança máxima, a
unidade prisional foi, por exemplo, o berço para o surgimento das “sintonias”,
forma com que a facção se organizou para atuar dentro e fora das prisões nos
últimos anos.
Entre os presos transferidos estão
Daniel Vinicius Canônico, o Canônico, Julio Cesar Guedes de Morais, o
Carambola, Reinaldo Teixeira dos Santos, o Funchal – que matou o juiz Antonio
José Machado Dias, em março de 2003 -, Antonio José Miller Junior, o Granada e,
Alejandro Juvenal Herbas Camacho, o Junior, irmão do Marcola. Confira a lista
completa:
Em nota, o Ministério da Justiça informa que “a transferência
ocorre em cumprimento à decisão da Justiça do Estado de São Paulo após pedido
do Ministério Público de São Paulo”. A solicitação foi acolhida pelo TJ na
semana passada, segundo o MP.
Não há confirmação oficial até o
momento das unidades para as quais os presos serão transferidos, mas serão
possivelmente a Penitenciária Federal de Mossoró (RN), onde está Fernandinho
Beira-Mar, e a Penitenciária Federal de Porto Velho (RO). Nesta
quarta-feira,13, um decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), publicado no
Diário Oficial da União, autorizou o Exército a fazer a segurança dessas duas
unidades. O documento foi assinado por Jair Bolsonaro, Sérgio Moro, General
Augusto Heleno e Fernando Azevedo e Silva.
As outras razões apontadas pelo MP
são os planos de fuga ao longo do ano passado e a intenção de matar desafetos
descobertas pela polícia a partir de interceptação de bilhetes em dezembro do ano passado. Os alvos eram o
promotor Lincoln Gakyia, que investiga há anos a facção, e o diretor da unidade
prisional de Presidente Venceslau, Roberto Medina. Um dos planos de fuga de
Marcola fez até mesmo o juiz corregedor mandar fechar o aeroporto da cidade por 20 dias. Essa rede de
comunicação do PCC também fez a PF, em junho do ano passado, realizar a
operação Echelon.
A Ponte já havia
informado em novembro e dezembro a intenção da transferência de integrantes da cúpula da facção. Na
ocasião, promotores do GAECO (Grupo de Repressão e Combate ao crime Organizado)
encaminharam ao Poder Judiciário, o pedido de transferência de 15 presos, apontados como líderes do
PCC, para fora de São Paulo.
Para Camila Nunes Dias, pesquisadora
do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), professora da Universidade
Federal do ABC (UFABC) e autora de livros sobre o PCC, embora o anúncio da
transferência gere uma grande instabilidade no sistema prisional como um todo,
para a cúpula da facção não é uma surpresa. “Há muito tempo já está se falando
sobre essa transferência. Desde o ano passado, ele [Marcola] e de certa forma a
cúpula do PCC já estavam esperando por isso, mais cedo ou mais tarde, e penso
que é muito possível que já tenham até se organizado para lidar com isso.
Então, por exemplo, colocar outras pessoas para conduzir as questões, as
decisões, enfim. Alguma maneira de organização, porque o PCC sempre trabalhou
com essa perspectiva de ter alguém para substituir algumas pessoas-chaves
quando elas vão para regimes de isolamento. Desse ponto de vista, já deveria
ter uma adaptação".
A Ponte apurou que
integrantes do GAECO estavam tendo suas casas monitoradas por drones nos
últimos dias. Cabe lembrar que quando o assunto da transferência ganhou corpo
no final do ano passado, agentes prisionais de Presidente Venceslau começaram a
ser ameaçados, conforme revelou reportagem da Ponte.
Camila aponta que a decisão tem
forte caráter político e, apesar de conhecida até mesmo pela opinião pública,
ela deverá provocar uma desestabilização considerável no sistema, especialmente
em São Paulo. “Não dá para prever ainda uma reação. Não sei se a cúpula deixou
em aviso: ‘olha, se eu for transferido, vai virar todas as cadeias’. Até penso
que não. Mas uma enorme instabilidade se instala nas unidades prisionais,
porque a população carcerária geralmente não tem muita informação e circulam
muitos boatos. E o clima em situações de superlotação, de degradação humana que
a gente muito bem sabe, e de mudanças políticas que aconteceram no plano
federal e estadual, tudo isso é um caldo que produz muita tensão no sistema”,
explica.
A reportagem confirmou que as
unidades de SP estão na “tranca”, ou seja, presos não têm banho de sol, visita
de advogados. As audiências em todo o estado também estão suspensas.
“É uma opção política que tem um
potencial enorme de desestabilização daquilo que está estabilizado em São Paulo
há muito tempo. Não acho que haverá uma retaliação da cúpula, porque acho que
eles estavam esperando isso há muito tempo. Agora eu acho que é muito mais uma
desestabilização própria do sistema prisional que já é muito precária e um dos
elementos centrais dessa estabilização era a manutenção de parte da cúpula aqui
em SP. Isso provoca tensão gigantesca no sistema prisional”, avaliou Camila
Nunes Dias.
Para a pesquisadora, o real impacto
para a organização criminosa só poderá ser aferido daqui a um tempo, contudo
alerta que as mortes de Gegê do Mangue e Paca, no início do ano passado, já
trouxeram instabilidades internas para o PCC. “É uma contestação que já vem
acontecendo desde a morte do Gegê e do Paca. Aquilo ainda não foi totalmente
resolvido dentro da facção. Essa fragilidade da autoridade dessa cúpula já vem
sendo colocada em questão. A transferência do Marcola e de pessoas que
potencialmente nunca tinham ido para o sistema federal e que estão indo são
elementos a mais na produção de uma transformação dessa liderança. Pode
favorecer uma mudança na estrutura do PCC. Mas temos que esperar".
Diferente do sistema estadual, o
federal deixará os integrantes da facção longe do principal território de
atuação, que é São Paulo, além de estarem submetidos a uma série de restrições:
visitas e advogados monitorados, celas individuais e até mesmo escutas
ambientais.
“Do ponto de vista dos negócios
individuais e mesmo das decisões da facção é possível que já tenha gente no
lugar para isso, porque essa transferência vem sendo anunciada há muito tempo.
Por outro lado, nem sempre essas pessoas que substituem elas terão a mesma
capacidade de liderança, de respeito e de autoridade. Evidente que isso em si
não automaticamente isola a possibilidade de haver problemas internos do PCC,
que tem resistido a tudo isso nesses 26 anos”, afirma.
Pesquisadora do PCC há anos, Camila
não acredita numa reedição de maio de 2006, quando a facção orquestrou ataques
nas ruas contra forças de segurança e houve sangrenta reação do governo, até
porque todos com a atenção voltada para isso. “Acho que há uma auto-reflexão do
PCC de que eles não vão ganhar nada com isso. Ainda mais com esse cenário de
governos autoritários que ascenderam com autorização para matar, como já disse
o governador de São Paulo, do Rio, o próprio governo federal. Fazer aqueles
ataques vai redundar numa reação da polícia que será prejudicial a todos eles e
à população periférica e pobre que vai ficar muito vulnerável”, conclui.
ELPAÍS.COM
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