CHINA, 1989- RELEMBRE O MASSACRE DA PAZ CELESTIAL, A LUTA POR UMA LIBERDADE QUE NÃO VEIO.
13:47Brasília, Brasil e o mundo sem retoques!CHINA 1989: OS
MANIFESTANTES, O PARTIDO E O MASSACRE DE BEIJINGSOBRE OS TRINTA ANOS DO
MASSACRE NA PRAÇA DA PAZ CELESTIAL
Sabemos tambem que Beijing apagou de modo efetivo esses dias da história oficial: ninguém fala deles e não se pode encontrar informações na internet chinesa “revisada”.
Além disso, não será
fácil hoje em dia encontrar uma pessoa jovem que saiba algo sobre este tema.
Não se duvida de nenhum destes fatos. Entretanto, a história do que passou
durante esses dias de maio e junho de 1989 entranha na realidade uma mescla
mais complexa de elementos do que habitualmente se conhece.
Alguns dentre eles contaram sua experiência daqueles dias. A vida de alguns mudou completamente: uns se tornaram milionários, outros se converteram ao cristianismo. Entretanto, se sabe muito menos das histórias das pessoas que morreram (trezentas pessoas, de acordo com os números do Partido Comunista, mas muito mais, na casa dos milhares, de acordo com ativistas, famílias das vítimas e uma série de organizações humanitárias), ou acerca dos milhares de detidos (o último em ser liberado, que era então trabalhador de uma fábrica, saiu da prisão em 2016).
Pode-se saber mais sobre muitos dos protagonistas dosacontecimentos no livro de Louisa Lim,
Nos relatos midiáticos, houve
escassas menções dos problemas inerentes que possuía o “movimento estudantil”
(a este respeito, Beijing Coma de Ma Jian constitui um livro excelente para
chegar a entender os diversos erros e limitações que apresentavam os
manifestantes estudantis).
Ainda menos gente sabe —ou, se o
sabem, julgam digno de ressaltá-lo
— as particulares condições econômicas e o
“clima” que reinava nas fábricas durante esses anos, fatores que seguem sendo
cruciais para a China, tal como é hoje em dia. Adicionalmente, a decisão do
Partido Comunista de lançar o exército contra as pessoas que protestavam nas
ruas e praças teve lugar num momento dramático para o PCCh, pois tinha que
lidar com as sequelas da Revolução Cultural, que havia terminado somente uma
década antes.
As reformas postas em prática por Deng Xiaoping estavam mudando o país a um ritmo veloz, o que conduziu, entre outras coisas, a novos critérios para valorizar a “eficiência” de quem se encontrava em posições de poder, diferentes dos do passado.
Decido a este complexo cenário, “os fatos” em torno da Praça de Tiananmen ainda são estudados pelos pesquisadores, e às vezes se descobrem novas revelações.
Entre a multidão de diferentes interpretações, vereditos e excessivas simplificações comuns, a sequência básica dos acontecimentos segue sendo a mesma: o massacre cometido contra estudantes, trabalhadores e cidadãos de Beijing; a dramática decisão do Partido Comunista de proceder a medidas repressivas, ao final de uma luta interna que marcaria para sempre o rumo do PCCh; e atrás de tudo isso, a “primavera chinesa”, que fora o resultado de um período de intensa e vívida atividade cultural e política durante os anos 80.
O ano 1989 constitui um divisor de
águas na recente história da China, pois foi este o ano no qual o contrato
social entre o povo chinês e o Partido Comunista se viu efetivamente
transformado, levando o país à senda de crescimento econômico que alçou seu status como poder global de grande envergadura hoje.
A este respeito, resulta interessante advertir que, desde 1949, Washington havia se mostrado sempre muito preocupado pela China durante sua fase “maoísta”.
Por óbvio, tratava-se de um receio ideológico, baseado no
temor de que o comunismo se estendesse cada vez mais. Depois, ante a abertura
realizada por Deng Xiaping, os EUA — sobradamente encantados com a oportunidade
de romper a frente comunista e isolar a União Soviética — começaram um longo
processo de aproximação com a China, que terminou com a entrada de Beijing na OMC
em 2001: o ano em que se sucederam os massivos protestos contra a globalização
em Gênova, e também o ano em que a história dos Estados Unidos estava prestes a
mudar para sempre.
Para apoiar a integração da China nas instituições econômicas mundiais, os EUA ocultaram debaixo do tapete episódios como os de 1989 (contribuindo assim para realçar o perfil de um país que chegaria a ser visto, hoje em dia, como “inimigo”).
Os norte-americanos demonstraram estar equivocados muitas vezes em sua avaliação da probabilidade de que as reformas econômicas trouxessem a democracia de maneira automática.
Certamente, os acontecimentos de 1989 demonstram justamente o contrário. O que ocorreu em 4 de junho de 1989 acabou por ser um precedente sancionado do caminho autoritário empreendido pelo capitalismo global desde então. De acordo com Naomi Klein, foi precisamente este “choque” o que impulsionou finalmente a China pelo caminho neoliberal em direção à globalização.
Se voltarmos a 1998, com a visita de Clinton à China e a controvérsia acerca do lugar que representavam simbolicamente os acontecimientos de 1989, Jay Mathews, repórter do Washington Post que estava presente em Beijing em 1989, sentiu a necessidade, dez anos depois dos fatos que rodearam Tiananmen, de pôr em relevo uma série de fatos cruciais, começando por um debate sobre um ponto que poderia parecer trivial a princípio, mas que resulta de fato bastante importante: a saber, que vincular a palavra “massacre” com “Tiananmen” é um erro, pois, como escreve Mathews, “pelo que pode se determinar a evidência disponível, não morreu ninguém nessa noite na Praça de Tiananmen”.
Mathews não levava em consideração o fato de que o exército matou, desde cedo, gente nessa noite: de acordo com muitos outros testemunhos, jornalistas e demais, reconstruiu a seguinte sequência de acontecimentos: “Morreram nessa noite centenas de pessoas, a maioria deles trabalhadores e transeuntes, mas em lugar distinto e em circunstâncias diferentes.
O governo chinês estima que se produziram trezentos mortos. As estimativas ocidentais são algo mais elevadas. Muitas vítimas foram baleadas nos arrededores de Changan Jie, a Avenida da Paz Eterna, como a um quilômetro e meio da praça, e em enfrentamentos dispersos em outras partes da cidade, onde, é necessário acrescentar, muitos soldados foram golpeados ou queimados por trabalhadores irados”.
Deveríamos deixar muito claro este
fato, ninguém — à parte alguns teóricos da superconspiração, ou recorrendo a um
termo melhor, dos negacionistas — não há
dúvida alguma do fato de que ocorreram estes eventos violentos na China em
1989, tanto em Beijing como em outras cidades.
Não obstante, tal como apontava
Mathews em seu artigo, se reconhecemos a “excessiva simplificação” dos fatos
realizada pela mídia, podemos chegar a uma compreensão do complexo conjunto de
circunstâncias do que se passou em 1989.
Black e Munro apontam ainda assim que a repressão mais violenta ocorreu nos bairros ocidentais do raio de Beijing, não Praça de Tiananmen. Jonathan Fenby, historiador e expert em Asia e China, coincide também que ali foi onde se produziu o verdadeiro “massacre”, contra os trabalhadores e os residentes locais.
Centenas de trabalhadores formam massacrados nas ruas. Esta é a razão pela qual uma série de especialistas acadêmicos e dissidentes chineses preferem a expressão “massacre de Beijing” à “massacre da Praça de Tiananmen”.
Como reagiu o Partido Comunista aos crescentes protestos, ocorridas simultaneamente à visita de Mikhail Gorbachev à China no final de maio?
Este é um dos aspectos mais interessantes quando se examina a situação em 1989. O Partido Comunista atravessou muitas fases diferentes nesse período, como pode se ver nos sucessivos expurgos e nas lutas internas sem restrições, no estabelecimento de um “Comitê Permanente” paralelo, composto pelos chamados ‘oito imortais’, e até na nomeação, por meios tecnicamente inconstitucionais, de Jiang Zemin, prefeito de Xangai, como novo Secretário do PC.
O fato de que os mortos foram em
sua maioria trabalhadores nos permite compreender melhor o modo como o Partido
filtrou a informação chegada do exterior, nem tanto e não só da própria Praça
de Tiananmen. Em 1989, o Partido já estava há dois anos trabalhando para
marginalizar a influência política de Hu Yaobang. Se tratava de um reformista
considerado demasiadamente indulgente com os protestos que vinham se
convertendo em um traço recorrente na China desde 1986.
Hu morreu em 15 de abril de 1989 de um ataque no coração durante uma reunião do Partido, e o luto por sua morte se converteu em um acontecimento que desencadeou os protestos em grande escala dos estudantes, que ocuparam nesse dia a Praça de Tiananmen.
Deng Xiaoping havia decidido que deveria expurgar Hu, ainda que este último tenha sido escolhido por Deng mesmo como seu sucessor (foi preciso esperar até 2005 para que a imagem de Hu ficasse finalmente reabilitada). O ancião Deng era o grande manipulador dos fios do teatro de marionetes no seio do PCCh, ainda que vivesse já então en sua residência particular, longe de Zhongnanhai, o Kremlin chinês. Estava rodeado, entretanto, de seu pessoal, que podia fornecer-lhe informação instantânea acerca do que se sucedia no país.
A casa do ancião Deng seria cenário da reunião mais importante durante esses frenéticos dias de junho de 1989. Deng, veterano político e reconhecido estrategista, captou de imediato a natureza do problema: se os protestos estudantis se extendiam aos trabalhadores, a situação se tornaria desastrosa para o PCCh.
Deng insistiu repetidamente que deveriam ser feitas reformas, mas que era necessário ter ordem para que isso passasse: a população deveria estar trabalhando, não protestando.
Pensou que tinha conseguido arrumar a situação marginalizando Hu Yaobang, mas seu substituto, Zhao Ziyang, se sentia predisposto às reformas, e isso prontamente se converteu num problema para os “oito imortais”.
Em 2001 foram publicados Os papéis de Tiananmen, [The Tiananmen Papers], um livro que contém material de extraordinária importância para uma melhor compreensão do que estava se passando dentro do PCCh por esses dias.
Como escreveu Marina Miranda num artigo de 2001 publicado em Mondo Cinese, o livro é “uma coleção de documentos neibu, ou seja, altamente confidenciais e cuja circulação ficava restringida ao seio do Partido Comunista Chinês”. Estes documentos de alto secredo deve ter sido vazado por alguém que gozava de um papel privilegiado dentro do mecanismo interno do Partido.
Quem os vazou, supostamente “um alto funcionário do Partido”, decidiu adotar um particular pseudônimo: Zhang Liang. “Esta escolha do pseudônimo”, escreve Miranda, “possui um claro significado político: é o nome de um estrategista falecido no ano 187 a.C., célebre por seu ódio em relação à temível dinastia Qin (221-207 antes de Cristo), cujo tirânico governo se compara frequentemente com o regime do Partido Comunista”. Mao acabou associado também à dinastia Qin, da mesma forma que Xi Jinping em época mais recente. De acordo com um especialista acadêmico em China, Kai Vogelsang, os Qin nao só puseram em prática a primeira ideia do Império Chinês tal como hoje o concebemos habitualmente, mas que criaram também um sistema social caracterizado por un nível extremo de vigilância.
Ao olhar para os acontecimentos de 1989, os documentos dos Tiananmen Papers resultam de crucial importância. São muitos os que debatem sobre sua autenticidade, no entanto. A este respeito, Miranda, junto a outros muitos especialistas acadêmicos na China, sustentam que se pode dar por suoerada a controvérsia, pois temos muito boas razões para confiar na reputação dos especialistas acadêmicos que copiaram e publicaram os documentos: “podemos, em qualquer caso, tomar a reputação acadêmica séria da qual gozam os compiladores do livro como garantia da autenticidade do material: Perry Link, professor de Lengua e Literatura Chinesas na Universidade de Princeton, e Andrew J. Nathan, Professor de Ciência Política na Universidade de Columbia”.
Os anos 80 e os protestos
Ilaria Maria Sala, que estava presente em Beijing em 1989, escrevia recentemente acerca do espírito dessa “primavera chinesa”: 1989 foi o ponto culminante de um período enormemente notável no final dos anos 80: “o país encontrava-se em meio a uma agitação social, política e cultural”, escreve Sala, “um mundo ébrio de possibilidades: revistas e jornais eram mais interessantes, com longos artigos de pesquisa publicados em novos meios de notícias, os chamados Baogao Wenxue (“Reportagens literárias”).”
Em 1988 “estava se produzindo uma profunda reflexão sobre a história chinesa”, e se colocavam novas perguntas sobre o que verdadeiramente significavam a identidade e a cultura chinesas. Em seu artigo, Sala recorda o modo en como descreveu Link, o especialista acadêmico da Universidade de Princeton que trabalhou nos Tiananmen Papers: “em todos os campos todos os intelectuais suscitavan estas grandes questões. É um contraste enorme com o que hoje se sucede”, escreve Sala.
As possibilidades pareciam infinitas. Nos campi “os quadros de anúncios ofereciam aulas de idiomas e de dança, assim como foros de debate que permitiam com bastante liberdade aos estudantes uma ampla variedade de temas”.
Ao mesmo tempo, o mundo do trabalho encontrava-se em plena turbulência.
Desde um ponto de vista econômico, o período de reformas criou duas tendências claras: a proletarização, o período de reformas havia criado duas tendências claras: a proletarização de enormes massas da população e o surgimento de uma nova classe de capitalistas.
O processo de proletarização se
produziu, em termos gerais, como resultado de três fatores: a emigração forçosa
do campo para as cidades, a derrubada das empresas de gestão estatal nas
cidades e a dissolução dos negócios locais nas aldeias. O deslocamento rural
para as cidades constituiu uma tarefa imensa, que envolveu cerca de 120 milhões
de pessoas desde 1980, em algo que pode ser sustentado que tenha sido a maior
migração da história humana (ver Walker R. & Buck D., “The Chinese road,
Cities in the Transition to Capitalism,” New Left Review, agosto de 2007).
Um segundo fator responsavel pela criação de uma nova classe salarial na China foi o desmantelamento das empresas de propiedade estatal (SPE).
As SPE foram o núcleo da industrialização maoísta, e contabilizaram quatro quintas partes da produção agrícola do país. A maioria destes gigantes se localizava nas cidades, onde empregavam cerca de 70 milhões de pessoas em 1980. As primeiras etapas do desmantelamento se iniciaram em 1988, e o processo prosseguiu a um ritmo rápido depois da comoção de 1989, momento em que foram aplicadas drásticas medidas no contexto de uma economia aquecida marcada por uma elevada inflação.
Foram realizadas outras reformas na década seguinte, confirmando o significado do que ocorrera em 1989. Em 1994 se incentivou uma maior eficiência mediante cortes na mão de obra. Esta nova direção da gestão conduziu a demissões massivas no final dos anos 90, quando o capitalismo chinês experimentou sua primeira crise de superprodução, a qual marcou uma brusca transição da velha economia de escassez a uma nova economia de mais-valia. O resultado foi espectacular: o emprego nas empresas de propiedade estatal ficou reduzido à metade, à medida que 40 milhões de pessoas encontraram-se sem a tradicional “tigela de arroz de ferro”, símbolo e garantia de segurança no emprego nas velhas empresas estatais.
“Ironicamente”, escevia Solinger, “em sua marcha rumo à modernização e à reforma econômica, ainda quando a direção política tenha dado renda solta e incentivado às forças de mercado, deteve ao mesmo tempo o pleno desenvolvimento de alguns dos processos que surgem de modo geral da mercantilização em outras partes.
Assim pois, na China, em lugar da crescente opulência, o aumento do nível educativo e o aburguesamento de uma grande parte da clase trabalhadora, que se produziu em muitas sociedades junto ao desenvolvimento econômico — e de maneira muito destacada entre os vizinhos da China no Leste da Ásia, como Coreia do Sul, Japão e Taiwan— esta informalização da economia urbana representa uma regressão, não um ascenso para uma parte bastante numerosa da população urbana”.
Assim, esta população urbana enfrentou o difícil desafio da relocalização social no campo laboral, levando em conta suas origens culturais: “A esmagadora maioria deles foi privada de educação formal, obrigados a deixar a escola e se somar à Revolução Cultural (o que incluia, para a maioria, um período prolongado no campo), durante uma década mais ou menos depois de 1966, e vendo-se portanto desprovidos de toda capacitação”.
Estes processos, que chegaram ao auge nos anos 90, foram resultado direto do que ocorrera na China no final dos 80. Em outubro de 1983, o Diário do Povo escrevia que os trabalhadores não tinham do que se queixar: a recessão que se apoderara do mundo capitalista no início dos anos 80 ofereceu a oportunidade às autoridades chinesas de recordar os trabalhadores do país que estavam melhor do que já estiveram algum dia, assinalando o elevado desemprego do Ocidente como prova da “superioridade do socialismo”.
A direção chinesa considerou este o momento de ressaltar seus êxitos: tal como escreve Jackie Sheehan em seu libro Chinese Workers: A New History (Londres, NuevaYork, 1998), se tratava de uma situação na qual “alguns trabalhadores já estavam advertindo os benefícios do aumento salarial e das bonificações, de acordo com as reformas, e todos esperavam se beneficiar num futuro próximo”.
Mas estas expectativas acabaram desmentidas pela realidade, porque estavam começando a aparecer sinais de patente injustiça: “Havia pouca aceitação entre os trabalhadores a ideia de que tudo iria bem se ‘uns quantos se fazem rico primeiro’; consideravam isso simplesmente como uma injustiça distributiva”. Além disso, “muitos trabalhadores se sentiam profundamente agravados até por diferenças salariais que eram consideradas muito grandes de acordo com critérios ocidentais aí onde se advertiam, no entanto, como injustas […]. Um ressentimiento especialmente agudo foi o que provocou a brecha cada vez maior entre as bonificações pagas aos trabalhadores e as que recebiam os gestores superiores das empresas, que em alguns casos podiam ser de vinte a trinta vezes maiores que o pagamento equivalente aos trabalhadores”.
No entanto, o efeito negativo das reformas sobre as relações entre os trabalhdores e a gerência logo se extenderia “para além das disputas sobre o aumento da desigualdade de renda, por mais séria que esta fosse”.
Numa época na que se exigia mais e mais eficiência aos trabalhadores, durante as frenéticas horas de maio e junho de 1989, “as deficiências de gestão se converteram em significativa maçã da discórdia de um modo que nunca antes havia se sucedido”, escreve Sheehan, uma questão que Deng mesmo fez questão de repetir. Depois de expressada sua solidariedade aos estudantes, começaram a bulir as tensões na panela de pressão que era a Chiba em 1989.
A ‘agitação’ e o resultado final
Neste contexto, a presença dos
estudantes na Praça de Tiananmen començou a ser causa de grande preocupação
para o Partido Comunista, temeroso de voltar ao período de domínio das
multidões durante os dias da Revolução Cultural.
Deng mesmo expressou a crescente sensação de irritação, afirmando numa reunião do Partido no final de abril que “não se trata de um movimento estudiantil corrente. Se trata de agitação”.
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Ao mesmo termo se recorreria no
artigo de opinião do Diário do Povo publicado em 26 de abril, que condenava os
protestos estudiantis com toda nitidez. Foi este o momento em que se deteriorou
sem remédio a relação entre o Partido
Comunista e os manifestantes.
Desde esse momento, Deng trabalharia junto ao Comitê Permanente até a dramática votação sobre a declaração do estado de sítio (que seria revogado apenas em 1990). Em sua crônica desde a China, com data de 20 de Julho de 1989, publicada em The New York Review of Books, Roderick MacFarquhar escreveu, “Dividido na cúpula, o Partido Comunista Chinês já não podia lidar com as múltiplas pressões que sofria e rachou.

O voto para declarar a lei marcial supôs um exemplo claro do funcionamento do mecanismo que havia sido estabelecido: em essência, Zhao Ziyang era o único a favor de escutar os estudantes, inclusive de apoiar algo assim como uma “retratação” do artigo de 26 de abril (uma idea rechaçada de forma clamorosa por parte de Bo Yibo, um dos “oito inmortais” e pai de Bo Xilai, de mais recente fama).
Entre 26 e 27 de abril, o Comitê Permanente do Politburo se reuniu para votar a proposta de declarar o estado de sítio.
Os cinco membros votaram do seguinte modo: Li Peng e Yao Yilin votaram a favor, Zhao Ziyang votou contra e Qiao Shi se absteve. Nesse momento, a iniciativa passou para os oito inmortais: já não havia volta.
Tal como se afirma em The Tiananmen Papers, “Na manhã de 18 de maio, os oito anciãos —Deng Xiaoping, Chen Yun, Li Xiannian, Peng Zhen, Deng Yingchao, Yang Shangkun, Bo Yibo e Wang Zhen— se reuniram com os membros do Comitê Permanente do Politburó Li Peng, Qiao Shi, Hu Qili e Yao Yilin, e com os membros da Comissão de Assuntos Militares, o general Hong Xuezhi, Liu Huaqing e o general Qin Jiwei, e acordaram formalmente declarar o estado de sítio em Beijing”.
O Secretário Geral Zhao não assistiu a este encontro e pouco depois foi expulso de seu posto. Antes de que se pusesse sob prisão domiciliar, situação na qual permaneceria até sua morte em 2005, em 19 de maio, às quatro da manhã, Zhao compareceu à praça e se mesclou entre os estudantes. Acompanhado pelo Diretor do Gabinete Geral do Partido, Wen Jiabao (que se desempenharia mais tarde como primeiro-ministro da República Popular da China entre 2002 e 2012), Zhao disse aos estudantes: “Chegamos demasiado tarde”.
Antes, em 18 de maio “Li Peng e outros funcionários do governo se encontraram no Grande Salão do Povo com Wang Dan, Wuerkaixi, e outros representantes estudantis. Li afirmou que ninguém havia declarado nunca que a maioria dos estudantes tivesse sido vista envolta em agitações, mas que, com excessiva frequência, gente sem intenção de criar agitação o que de fato conseguira era provocá-la.
Manteve-se firme com respeito à redação do editorial de 26 de abril e afirmou que o momento atual não era apropiado para debater as duas demandas dos estudantes. Wang Dan havia declarado que a única maneira de tirar os estudantes de Tiananmen consistia en reclassificar o movimento estudantil como patriótico e retransmitir ao vivo o diálogo entre os estudantes e a direção na televisão”.
Foi um momento no qual se caçava
literalmente as pessoas nas ruas da China. Entretanto, no interior do Partido
Comunista tomava forma uma ideia clara: não se devia ía permitir que o que
acabava de passar voltasse a acontecer de novo.
Simone Pieranni é licenciado
em Ciências Políticas e jornalista especializado em China.
SIMONE PIERANNI
4 JUN 2019
AQUI, UM VÍDEO COM ANÁLISE SOBRE O FATO:
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